... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, December 25, 2009

Family Matters


Diz o refrão que “Natal é a festa da família.” O refrão só não diz que “família” tem significados diferentes para muitos, tanto do ponto de vista afectivo como psíquico e até ético. Não vamos por aí, porque corríamos o risco de divagações psico-filosóficas. Certo é que há, basicamente, duas famílias: a nuclear – aquela que é formada por duas pessoas quando decidem juntar trapinhos e escovas de dentes, mais seus filhotes – e depois a família de ADN – aquela que a gente não escolhe mas que nos calhou na rifa. Eu acrescentaria ainda uma terceira, formada por colaterais e emprestados. O Natal é a única época do ano em que dita a convenção social que há que juntar esta gente toda... O Natal é, pois, permitam-me dizê-lo, a festa da sobrevivência.


Vamos então falar das duas figuras universalmente mais amadas da Família: a Madrasta e a Sogra. Para onde formos no Mundo inteiro, não há quem não as venere. O próprio Pai Natal, se tivesse Madrasta e Sogra, deixaria de exibir um ar tão bonacheirão. O Menino Jesus, felizmente tinha Mãe ao invés da outra Senhora… e não chegou a ter Sogra. É por isso que está sempre com aquele sorriso abençoado.


Gostaria de esclarecer os espíritos menos iluminados: estou muito habilitada para falar de Madrastas. Em primeiro lugar, tenho uma; em segundo, sou uma. É, pois, com certeza que afirmo:  é impossível ser uma boa Madrasta - tudo está contra as ditas criaturas na crença popular. Desde o princípio dos tempos que elas envenenam maçãs (vide Branca de Neve), infernizam a vida das raparigas (vide Cinderela) e lhes dão nada mais que pão duro para comer (vide história das Três Maçãs de Oiro). Cá por mim, nunca comi nada que a minha tivesse cozinhado sem ver a minha Irmã (filha dela) dar uma trinca primeiro. São invejosas, más e arrancam o coração das enteadas nalguns contos infantis em que o Pai das meninas é uma figura quase invisível. A gente admira-se como é que ele não salta logo ali a dizer “Alto! O coração, não, sua bruxa!”. É por ter a certeza que o meu Paizinho também não saltaria que tenho sempre muito cuidado, sobretudo quando a minha Madrasta carrega a sua caixa na qual ela diz que guarda a flauta – pois toca numa orquestra sinfónica  – mas eu cá suspeito que aquilo são armas letais.


Não pensem que, na eminência permanente deste ataque sob o qual vivo desde os 10 anos de idade, me mantinha impávida. Isso é que era doce! Fazia-lhe a vida num inferno à minha maneira, aquela maneira delicodoce que a criançada tem de se fingir adorável e ir partindo frascos pela calada e pondo os vidros no lixo. “Perfume?! Não. Não vi frasco nenhum! Mas ajudo a procurar.” Eh eh eh…


Sempre que podia vir a gostar dela, lembrava-me imediatamente que a Madrasta era incompatível com a minha Mãe e ficava logo mais ordenada, com a raiva no sítio certo. Era o que faltava! Até porque a minha Madrasta é mesmo odiosa, claro, e não amorosa como eu. Quando acabar isto, vou-lhe escrever um fofo cartão de Natal, que espero seja o meu Pai a abrir para que saiba como eu faço um esforço para ser boazinha. Ia juntar um link para um grupo do Facebook chamado “Stepmoms Suck”, no qual se pode dizer mal sobre as mulheres dos nossos pais (alguns infelizes já vão na quinta Madrasta oficial, fora as outras, mas ainda não se lembraram de achar que é o Pai que é inconstante…)


E as Sogras? É folclórico que Sogra é um problema. Não estou tão habilitada para dissertar porque não sou Sogra… ainda. Mas como tenho um Filho, suspeito que, cedo ou tarde (tarde, meu Deus, fazei com que seja muito tarde!), estarei encontrando perfídias em todas as mulheres que dele se aproximarem. Sim, porque claro que serão elas a aproximar-se, o meu Filho jamais se aproximará de Mulher alguma quando já tem em mim tudo o que precisa.


Essas aproveitadoras (de quê ainda não sei bem, mas estou certa que existem para se aproveitar de alguma coisa…) que estejam alerta porque eu não lhes vou dar descanso! …Sempre com muito mel, evidentemente: “Oh Filho, essa rapariga gosta de ti mas parece que está um bocadinho infeliz e tu então… Estou preocupada com ela e contigo, vocês talvez devessem tirar umas férias um do outro para espairecerem. Anda para casa da Mamã uns dias. Ou a Mamã pode ir  dar-vos uma ajuda, que a vida de casal é muito difícil, sempre uma pessoa mais experiente equilibra…” Eh eh eh.


Sogra, para além de ter infinitos truques movidos pelo ciúme de ver o Filho beijado e apertado por outra criatura do sexo feminino (vide Madame Bovary), tem um peculiar atributo: odeia toda e qualquer Nora na mesma proporção em que “ela é muito boa rapariga” a partir do momento em que passa a ser ex-nora. Experimentem dizer-lhes que vão ficar juntos de novo e invertem logo a opinião da Sogra.


Sogra é bicho tanto mais ruim quanto nunca diz verdadeiramente o que pensa ao Filho; diz e faz à Nora que, na sua ingenuidade (quando ainda a tem) conta ao Filho que, por sua vez, jamais pode acreditar que a sua Mãe fosse capaz de tais pensamentos, palavras e acções. O meu Filho também nunca acreditará, Deus o guarde. Estou já congeminando o meu saco de maldades, maior que o do Pai Natal.


A melhor piada sobre Sogras que conheço foi-me dita por um homem, Sogro veterano - um velho vai ser operado e insiste para que seja o Filho, afamado cirurgião, a executar a operação; quando já está na mesa de operações, pede para falar ao Filho antes da anestesia e diz-lhe: “não te enerves, filho, faz o teu melhor… lembra-te apenas que se isto correr mal e eu morrer, a tua mãe passa a viver contigo e com a tua mulher…”


É assim que no Natal vemos reunidos, mais uma vez, no seio familiar (gosto muito desta expressão, “seio familiar”, algo muito caro às Sogras – o seio é de onde o Filho nunca havia de ter saído! – e Madrastas – por pudor e reverência paternal, não comento esta parte …) todos os clãs, que Deus os abençoe na Sua infinita misericórdia, luz, paz e amor.  Àmen.