A primeira vez que viajei de avião, tinha quatro meses. Por imperativos pessoais e profissionais, viajar sempre foi uma constante na minha vida e, dado dar grande importância à comunicação, sempre adorei enviar postais. Atribuo grande importância aos Correios, mesmo nesta época frenética de e-mails.Nada mais bonito do que receber uma carta, com cheiro de papel, que faz barulho ao desembrulhar-se nas mãos.
Apesar do meu fascínio pessoal pelas missivas, foi com surpresa que li a reportagem publicada pelo diário inglês The Guardian que dava conta de um serviço especial dos Correios - o tratamento das Cartas para Deus. De facto, há quem lhe escreva. Sao cartas que vêm de todo o Mundo e, dado o seu conteúdo, percebe-se que são fruto de várias e diferentes crenças religiosas. A maior parte das pessoas nao coloca direcção (o que não é de espantar...), pondo apenas o destinatário, mas outras colocam "Muro das Lamentações" no envelope e isto por uma razão muito simples: venham as cartas de onde vierem, os Correios de todo o mundo encaminham-nas para os Correios de Israel que as colocam, abertas e dobradas, nas fendas do Muro. Avi Yaniv, o encarregado do Departamento das Cartas para Deus, explica que os Correios de Israel assim o fazem por entenderem que o Muro é o local mais próximo do Divino. Mas o Muro terá lugar para tantas cartas? É que chegam diariamente... De facto, as mais antigas vão sendo enterradas em terreno sagrado.
O Muro nao é apenas o mais sagrado monumento dos judeus, que o vêem como uma das paredes do Templo destruído e seu único vestigio, mas é também importante para os islâmicos, que afirmam ser o este o local onde Maomé amarrou o seu cavalo alado, e ainda para os cristãos, que o visitam aos milhares. Faz sentido ser esta a morada escolhida para as Cartas a Deus.
De onde escrevem as pessoas? De todos os locais do planeta, desde a Rússia à Austrália, da Jordânia ao Gana. E em todas as linguas, porque Deus (e os Correios) serão capazes de entender. Porque escrevem? É mais dificil responder, mas é curioso verificar que, embora Ani Yaniv refira "depressão, tensão e sofrimento" como os causadores destas missivas, algumas pessoas escrevem só para agradecer e outras façam declarações de amor - a Deus, claro. A maior parte pede, desde bens materiais a paz. E muitos pedem o fim da solidão e a oportunidade de rever os que já partiram e de fazer as pazes com eles ou de lhes dizer aquilo para que nunca houve tempo. Outros fazem perguntas a Deus. Querem saber os comos e os porquês. Mas ninguém espera uma resposta... Só um alívio pessoal por fazer o envio.
Avi Yaniv tem 66 anos. Em breve, será outro funcionário a ocupar o seu lugar pois há 12 que se ocupa destas cartas. Há pessoas que escrevem regularmente mas ele não pode responder: é regra. Yaniv nao é Deus. Ainda se comove com a história de um homem que pede para rever a mulher morta em sonhos - "Sente muito a falta dela". Yaniv, sem ser padre, rabi nem imã está mais perto do Divino do que todos eles.