Uma discussão recente sobre ditadores, o misto de insegurança profunda que neles existe em contraponto com a sua extraordinária força para mover multidões, sobre revoltas sociais contra regimes e outras conversas usuais no mês de Abril levou-me a falar com alguns amigos sobre a experiência Milgram. Para meu espanto, apesar de serem indivíduos ligados às ciências humanas ou à biologia, não a conheciam, o que me fez pensar que realmente o lado obscuro do Homem passou a ser considerado tabu, mesmo nas instituições que se dedicam a estudá-lo.
Stanley Milgram era psicólogo na Yale University e começou as suas experiências sobre obediência a figuras de autoridade em 1961, poucos meses depois do início do julgamento em Jerusalém de Adolf Eichmann, o criminoso de guerra Nazi. Um dos seus propósitos era tentar obter uma resposta para a noção de intenção por parte de Eichmann e seus companheiros em relação às suas atitudes – como sabemos, a intenção é fulcral para a determinação do crime. Por outras palavras, Milgram testou a capacidade de obediência à autoridade do ser humano, mesmo que as ordens recebidas fossem profundamente contra o sentido de ética e de moral do ser que obedece.
A experiência continha 3 personagens: experimentador, vítima e participante. A vítima era um actor e não sofria danos, embora isso fosse ignorado pelo participante. Os participantes (pessoas comuns entre 20 e 50 anos, obtidas através de anúncio de jornal, pagas à hora), tinham de ensinar alguns conceitos às vítimas, assumindo com estas o papel de professor perante o aluno. Por cada resposta errada, davam-lhes um choque eléctrico de baixa intensidade. Simplesmente, por cada erro, o choque ia aumentando de intensidade até atingir 450 volts.
Se o participante/professor manifestasse desejos de terminar com os choques, o experimentador – assumindo uma figura impassível e na posse do poder – dizia-lhe apenas: “A experiência exige que continue” sem mais conversas.
Milgram sondou os colegas psicólogos sobre os resultados das experiências e estes apostaram na ética e bom coração do ser humano. Mas falharam. No primeiro grupo de experiências, 65% das pessoas administraram o choque final de 450 volts e apenas um parou aos 300 volts. A vítima-actor estava instruída para gritar de dor. Os participantes questionaram-se, indagaram o experimentador sobre o propósito da experiência, alguns choraram pelas suas acções, tremeram. Mas fizeram-no. A maior parte continuava após ser assegurada pelo experimentador que não lhes seria imputada responsabilidade pelo acontecido, o que nos leva a conceptualizar sobre a necessidade de assumir para sentir.
As experiências de Milgram (mais tarde, plenas de variações) foram muito criticadas devido ao stress que inflingiam nos participantes e atacadas como pouco éticas. Milgram publicou-as em livro “Obedience to Authority” em 1974, com algumas interpretações teóricas resultantes. Segundo ele, ao obedecer, o indivíduo vê-se como um agente dos desejos de outro e portanto desresponsabiliza-se das suas acções, ocorrendo um desvio crítico do seu ponto de vista – “they made me do it”. Outra situação que ocorre é explicada pela teoria do conformismo, a sensação de que estamos perante um grupo ou alguém mais forte do que nós; não podendo escapar, resta-nos obedecer. Actualmente, adaptou-se a esta teoria o conceito de “desamparo adquirido”, mais ou menos aquilo de que sofrem as mulheres vítimas de violência, que passam a obedecer cegamente como forma de sobrevivência, porque “aprendem” que nada as pode ajudar a sair de uma situação em que existe uma autoridade que não as deixa escapar.
Seja qual for a razão, os ditadores conhecem bem como aproveitar os recursos de obediência que cada ser humano tem em potência. A Igreja usa-os há séculos, como um dos seus três votos fundamentais. Nestes casos, ter cabeça pensante não ajuda pois também existe um fundo de ignorância: o único participante da primeira experiência que recusou ir mais longe disse “Eu sou engenheiro eléctrico. Eu sei o que os choques fazem às pessoas. Você não me pode convencer.”, donde se depreende que para obedecer cegamente convém ser um pouco tonto e que a inteligência não ajuda ninguém a sobreviver a um ditador… Já dizia a minha avó “mulheres burras fazem homens dominadores muito felizes”.