... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, April 16, 2010

Empatia e a Mulher Esqueleto


Sempre me foi muito fácil meter-me na pele de outra pessoa e sentir como ela sente. Aquilo a que os ingleses chamam “getting into someone else’s shoes”. Se é qualidade ou defeito, prefiro não classificar, até porque creio bem que pode ser ambas as coisas, dependendo das circunstâncias e do quanto nos deixamos envolver pelas emoções alheias. É condição indispensável em certas profissões, mas também pode dar-nos um saco de angústias extra.  Não é uma emoção e/ ou um estado fácil para todos e há mesmo quem seja absolutamente incapaz de sair de si para ir ao encontro do outro. As pessoas  narcissistas não só não o conseguem fazer como sofrem de um mal ainda maior: precisam com urgência de quem as admire intensamente mas não fazem a mínima ideia de como atrair a verdadeira admiração, que só se consegue ao dar algo de nós próprios.


A propósito de tudo isto, há uma velha lenda Inuit, inacreditável e metafórica como todas as lendas do Grande Norte. Uma rapariga Inuit discute com o pai que, irado e frustrado com a rebeldia dela, imprópria para meninas submissas, acaba por a atirar de um penhasco. A rapariga afoga-se e acaba por descansar no fundo do oceano em forma de esqueleto perfeito. Algum tempo mais tarde, um pescador que por ali passava predatoriamente apanha o esqueleto no seu anzol. Ao puxar a sua presa, vê o esqueleto emergir das águas e quase morre de susto. Então, foge como louco, no seu botezinho, tentando escapar dela. Mas como nunca retirou o anzol, o esqueleto persegue-o onde quer que vá… A perseguição do esqueleto torna o pescador cada vez mais assustado, incapaz de se aperceber que é ele que a tem fisgada e não a deixa escapar, e vocifera contra a mulher esqueleto enquanto tenta libertar-se dela e rema cada vez com mais velocidade. Até que volta para o seu igloo, sempre com o esqueleto na ponta do anzol. O pescador está exausto e aterrorizado, mas olha para a mulher esqueleto e apercebe-se que a tem presa. É nesse momento que se dá conta que ela nunca o perseguiu, mas que foi ele que a andou a arrastar, sem que ela pudesse libertar-se. O terror do pescador é substituído por um sentimento de compaixão pela mulher-esqueleto. Parêntesis para dizer que embora “compaixão” sugira em português um sentimento galináceo, de peninha coitadinha, noutras línguas é uma coisa muito nobre e segue a raíz da palavra latina. Ao dar-se conta da sua tolice e de como terá magoado o esqueleto ao arrastá-lo todo o caminho, o pescador liberta uma lágrima pela mulher. Nessa altura, o esqueleto ganha carne, músculos, nervos, sangue, em suma, vida. Num final feliz, torna-se companheira  amantíssima do pescador.


Esta pequenina lenda é uma ode à nossa capacidade de nos despojarmos do nosso ego e ver para além dele, no reconhecimento da emoção alheia e , porque não, da nossa quota parte de responsabilidade naquilo que aos outros acontece e os faz sentir de determinado modo. Actualmente, há uma grande propensão para cultivar o oposto – no entanto, curiosamente, esse mesmo umbigo para o qual tanto nos incentivam a olhar é já uma cicatriz de uma ligação a outro ser humano…


Ensinaram-me que “empatia” é o nome que se dá à capacidade de sentir com o outro, partilhar das suas emoções quase como se nossas fossem. Mas em si mesma, “empatia” também não é uma palavra fácil…  A palavra deriva do grego – empatheia – e os meus amigos gregos dizem-me que nós podemos ter deturpado a coisa como quisermos , mas empatheia em grego não quer dizer nenhuma maravilha dessas. Vem de “em” e “pathos”, que é paixão intensa, com uma conotação geralmente negativa (e.g. a paixão de Cristo). Portanto em grego ter empatia por alguém não dá um calor prazenteiro. Para isso, usam sympatheia (que será a nossa simpatia, o mesmo que a compaixão latina), traduzida na partilha de sentimentos com (syn) outro, embora também usem a mesma palavra para manifestar agrado por alguém. Portanto, a partir de agora proponho que deixemos essa coisa do sofrimento empático de parte e passemos a ser mais simpáticos… de mão dada com alguém.