Até há pouco tempo, uma mãe precisava de um vocabulário relativamente restrito para comunicar com as professoras: faltas, comportamento, higiene, varicela... Hoje, não. Uma mãe para poder mostrar que percebe o que estão a dizer tem de se esforçar muito mais. Vem isto a propósito da moda do bullying. A ministra da Educação, senhora que respeito muito pois sou da geração que leu os livros da colecção Uma Aventura – única coisa que em Portugal se fez a puxar ao espírito dos Famous Five, meus preferidos – já declarou que o bullying é crime.
Tudo isto me parece louvável. No entanto, quando me dizem que recentemente decidiram adoptar medidas severas contra o bullying, faço um ar de ignorante. O espanto do outro lado: "Então a senhora, que é bilingue, não sabe o que é o bullying?! Todas as escolas decidiram tomar providências." Apenas posso imaginar o esforço desesperado de uma senhora sem grande instrução e sem grande conhecimento sequer da sua língua materna quanto mais de outras, para compreender o crime de que está a ser acusado o seu rebento. Imaginemos: vai a educadora à escola falar com a professora e esta informa-o de que o filho é um bullie, pronunciando a palavra como se estivesse a falar de um recipiente para servir chá (o que torna a compreensão imediata muito mais difícil…)
Não é fácil, convenhamos!
“Mas vejo que a senhora está muito desactualizada. O bullying é um fenómeno recente. Tem a ver com o abuso dentro das escolas, feito por alguns alunos a outros. Isto está mesmo a ser muito estudado nalguns países mais avançados, como os EUA, e nós agora em Portugal também já estamos a implementar intervenções e resolução de disputas.”
Um fenómeno recente?! A sério? Qual de vocês, tenha 30, 40 ou 80 anos não andou numa escola em que o aluno mais fraquinho não apanhava pancadaria do mais forte? Em que o melhor aluno apanhava umas bofetadas do menos dotado intelectualmente no recreio? Em que a rapariga que conseguia o papel principal na peça de teatro tinha os adereços misteriosamente rasgados antes da estreia? É impressão minha ou toda a gente se esquece da sua escola primária quando cresce? De facto, a primária é apenas um estágio do que vem a seguir, como dizia a minha professora (a quem devo uma excelente preparação).
O bullying não é mais do que uma forma de abuso, mas o português gosta de usar estrangeirismos, que, no caso, não trazem clareza ao discurso. Não creio que seja com sanções que esta forma de abuso acaba. Não é propriamente exterminável (ou não seria tão antigo, como já recordámos…), mas pode ser minorado. Se, por exemplo, convencermos o aluno z (intelectualmente mais fraco mas musculado) que tem de proteger o aluno y (com qualidades opostas às dele) no recreio e em troca dissermos a y que ele deve ajudar z na sala de aula, podemos contribuir muito mais para minorar o bullying do que aplicando castigos, que geralmente só dão fogo à coisa.
Além disso, há outro ponto importante que gostava de acrescentar (já que me falaram nos "países desenvolvidos", frase de coitadinho que me irrita sempre bastante): há uma coisa que muitos países já perceberam e nós ainda não, provavelmente porque temos a sorte de ter poucos crimes cujos perpetradores são menores. As crianças não são sempre angelicais. A infância não é sinónimo de bondade; é sinónimo de pouca experiência de vida, o que, obviamente, acarreta candura. Mas muitas crianças, infelizmente, já passaram por muitas experiências adversas e a candura está deturpada. São mais adultas do que a sua idade, à partida, ditaria. E quanto à bondade, esta é uma questão íntima, de personalidade, não de faixa etária. Os estudos sobre crianças ou adolescentes que assassinam outras crianças mostram que eles são absolutamente indiferentes aos gritos de dor que ouviram, ao sofrimento que causaram, , em suma a toda a dor que não seja sua. Felizmente, casos raros.
Resumindo: os anjos não são anjos por serem jovens. Que eu saiba, Lúcifer também era um anjo.