Estava eu a conversar com uma rapariga da Lituânia que tem uma paixão desmedida por Portugal quando ela me perguntou porque é que num país como este, bem fornecido de sol, de temperaturas amenas, de bonitas paisagens, de gente (mais ou menos) calma e sem fomes nem misérias de maior na sua generalidade, os portugueses estavam sempre a suspirar e a dizer “Ai, paciência!”.
Eu nunca me tinha dado conta que recomendávamos tanta paciência uns aos outros e, ademais, éramos tão plenos de suspiros! Mas é bem verdade. A mais comum das exclamações é mesmo capaz de ser esta, exceptuando outras que, embora não seja de bom tom eu escrever no jornal são, paradoxalmente, as mais ouvidas na rua e das primeiras que qualquer estrangeiro aprende se quiser sobreviver em 70% dos ambientes de trabalho lusos.
Porque precisa o português de tanta paciência, sincopadamente suspirada? Eu também não sei!
Porém, este é já um hábito bem antigo, de onde se conclui que o tão apregoado pessimismo português (repare-se que muitos até dizem “festa de fim de ano” e nunca “festa de princípio de ano”, semanticamente tomando uns copitos pelo ano que passou e não pelo que há-de vir!) nem é bem pessimismo – é uma espécie de amortização da queda. Afinal, o português até quem consciência que vive no “melhor dos mundos possíveis”, como apregoava Leibniz. Simplesmente, de vez em quando lá aparece uma pedrinha no caminho – nada que um espírito navegante e conquistador como é o português não resolva com meia dúzia de suspiros e caldos de paciência.
Outra coisa que o português muito gosta de fazer é chamar por Deus. Mas na base da confiança! Raros povos alcançaram um tu-cá-tu-lá assim com o divino. Enquanto que, por exemplo, os espanhóis têm tanto respeitinho a Deus que, só de pensarem nele intensamente, há centenas de espanhóis que sofrem de stigmatae sanguinolentos e absolutamente inexplicáveis, os portugueses tratam Deus com a maior descontracção. Os irlandeses, coitados, passam agruras por quererem praticar a sua religião. Os portugueses, mesmo os que se dizem fiéis e que se contam pelos dedos, estão sempre relaxados. Enquanto os naturais das Filipinas se esfolam todos na Páscoa para demonstrar a Deus que sofrem por Ele e tal como Ele, os portugueses não estão para demonstrações de nenhuma espécie. O português acha que se alguém tem de demonstrar alguma coisa é Deus, não é ele. Mas, verdade seja dita, não se incomoda se a demonstração levar anos ou mesmo não acontecer porque temos tempo... e sol e temperaturas amenas (vide primeiro parágrafo). Em suma: somos um convite à lazeira.
Assim, apesar de não darem troco nenhum a Deus, não é raro ouvir os portugueses chamar pela mãezinha d’Ele: “Oh Virgem Maria!”, ou outros de Sua proximidade “Ai santa Bárbara! Ajudai-nos!”, etc, revelando uma clara familiaridade com as entidades celestiais. Eis a minha exclamação favorita: “Oh Jesus Cristo! Anda cá abaixo ver isto!” que, não só rima, como é uma espécie de invocação imperativa que sujeita o pobre Jesus a ser humano e a passar por todo o Calvário novamente.
Mesmo os ateus se saem às vezes com frases destas. Não é preciso uma epifania para entender o porquê: é que ninguém tem bem a certeza de haver ou não Reinos que não sejam deste Mundo (perdão, João de Melo). Assim, o português arranjou um truque fixe que é o de tratar Deus como um amigalhaço, porque, assim, se Ele não existir, não fez figura de parvo a dedicar-se-Lhe e, se Ele existir, o português já fez o seu papel. Fica tudo salvaguardado.
Os ateus (com raríssimas excepções) costumam dizer que “não acreditam em Deus mas numa entidade superior que nos criou a todos” o que é a mesma coisa que um oriental dizer que não acredita no Buda mas admite a existência de um manda-chuva gordo e careca, sentado à chinês...
Como é diferente a Mística em Portugal, ai paciência!