... "And now for something completely different" Monty Python

Saturday, April 16, 2011

A Base Biológica


Todos sabemos que o cérebro é ainda uma área francamente desconhecida da ciência em geral e da medicina em particular, apesar dos esforços para tentar penetrar nos segredos do computador humano. Pensa-se que grande parte dos seres humanos usam apenas 3% das capacidades cerebrais e que os mais dotados conseguem chegar ao valor irrisório de 10%, pelo que o potencial que temos acumulado e que não usamos é uma espécie de reservatório fenomenal ao qual ainda ninguém soube como chegar. Não se tem certezas quanto ao funcionamento processual do cérebro (ou já se estaria mais perto da cura do Alzheimer e da esclerose, só para citar alguns problemas) e menos ainda quanto a essas inexplicáveis pulsões e afectividades que estão associadas ao cérebro e que o fazem mais complexo de gerir do que qualquer máquina por ele inventada.


De quando em vez, surgem mais umas teorias e experiências científicas sobre esse orgãozinho dominador, o mesmo é dizer sobre nós próprios. A que fez furor neste mês de Abril foi a publicação da teoria de Ryota Kanai (neurocientista do University College of London) que afirma que a orientação política de cada um tem, afinal, uma base biológica.


Confesso que a ideia me pareceu inacreditável e digna de umas boas gargalhadas, mas, à cautela  - até porque sou das Ciências Humanas, essas desprezadas junto do aparente pragmatismo das outras Ciências (serão não humanas?!) – fui verificar o que Ryota Kanai dizia sobre o assunto. As experiências neurofisológicas do Dr. Kanai levaram-no a concluir que a estrutura física dos que optam por políticas liberais é diametralmente diferente da dos políticos conservadores. De uma forma muito generalista, resume-se assim: os liberais têm mais matéria cinzenta (as famosas células do Hercule Poirot) no córtex cingulado anterior e, consequentemente, estão mais aptos a entender todas as questões que envolvam complexidade e têm um pensamento menos restrito e mais tolerante; por seu lado, os conservadores, cuja amígdala cerebelosa tem que se lhes diga, têm mais capacidade de reacção às situações e também de processamento de emoções básicas, nomeadamente o medo.


Portanto, a Biologia explica tudo. Como sabemos, etimologicamente a Biologia é a ciência da vida, embora possamos ter uma perspectiva à Alberto Caeiro e ripostar que a vida não tem nem pode ter ciência nenhuma. Mais estranha talvez é a Psicologia, porque é quase metafísico supor que existe uma ciência da alma. É uma discussão que tenho várias vezes em casa, porque somos de áreas diferentes - não há nada melhor para combater o tédio do que não ter ideia da ciência do outro e, para terminar em beleza, podem-se sempre culpar os gregos pela herança de vocábulos tão úteis quanto aparentemente desfasados do real.


Metendo a foice em seara alheia, não posso concordar com esta perspectiva maniqueísta do Dr. Kanai. As características físicas, em grande parte herdadas geneticamente, não podem, per si, explicar opções de vida. Se a Genética fosse tão linear, seria de esperar que os filhos de bandidos fossem todos bandidos, o que seria muito injusto para os frutos inocentes de violações, por exemplo, cuja hipótese de serem violadores é tão grande como a de outra pessoa qualquer. Além disso, é bem conhecida a experiência das duas gémeas verdadeiras separadas à nascença, tornando-se uma pianista de renome e a outra crescendo para detestar qualquer tipo de música…


O Dr. Kanai ressalva, porém, que a sua experiência não dispensa avaliar o percurso posterior do indivíduo, sendo certo, no entanto, que nas características físicas de cada um está inscrito o modo como lida com a incerteza e com o receio e que é isso que faz dele um liberal ou um conservador, de acordo com a sua teoria.


É importante dizer que se desconhecem as inclinações políticas do Dr. Kanai. Seria interessante sabê-lo. Mas talvez mais interessante seria convencer o Dr. Kanai a prosseguir estas experiências em Portugal, onde, com grande desgosto académico, veria esta tese gorada e decerto, se veria obrigado a formular uma nova com grande ginástica científica, pois os nossos opinion makers e dirigentes políticos não raro mudam de inclinação política… Mudarão eles também de estrutura interior? Não é um caso de ética, como nós, leigos, julgámos; é um caso de ciência.