... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, April 1, 2011

Mátria II


Pediram-me que nunca escrevesse sobre política. Não foi difícil cumprir com esse requisito. Primeiro, porque apesar de haver demasiadas pessoas a falar sobre o assunto, poucas dizem alguma coisa. Depois, porque me parece que há efectivamente pouca gente a fazer política… embora muitas pessoas vivam dela. Estes contra-sensos levam ao descrédito básico de um povo perante a classe governante ou aqueles que aspiram a governar. Assim, por formação, vejo-me muito mais inclinada a escrever sobre a base cultural que faz um povo ser como é.


De um modo muito geral, o português não é, nem por modo de ser intrínseco nem por vontades contextuais, um povo com tendência à anarquia. Antes pelo contrário. O português teme, mais que tudo na vida, a insegurança, preferindo arrastar ao máximo situações difíceis. Segundo os velhos ditos “não vá a pior”, “antes diabo conhecido que bem desconhecido” e “atrás de mim virá quem de mim bom fará”, Deus nos livre de grandes abalos; já bastam os naturais e inevitáveis. É por isso que qualquer governante (não importa o quadrante) quando chega ao poder, sabe que apenas sairá por impedimento constitucional ou por motivos pessoais (e raros são os que os invocam). Os exemplos em Portugal de governantes ad aeternum constitutia são inúmeros.


O português tem um medo terrível do desconhecido, embora nutra um odiozinho quotidiano e de morte lenta ao conhecido. A isto chama-se, em psiquiatria, co-dependência. Logo, o povo português bem pode ser um caso de estudo.


As próprias ementas dos nossos restaurantes são demonstrativas do nosso receio da surpresa: mudam os locais, mas não mudam os menus. Se alguém, por acaso, tem um menu original, o português torce o nariz, aflito até à chegada do prato, porque “nunca provou e tem receio”. O drama do português é este. O povo português mata-se a fogo lento porque não consegue lidar com incertezas… e quando muda, não é de espantar, que mude inevitavelmente para alguém que o trata da mesma forma ou pior. É que ele – povo – estava mesmo a pedi-las. Ele não se valoriza, não sabe dizer “Agora chega! Se faz favor, tratem-me humanamente. Este foi o meu limite e ou me tratam bem ou sofrem as consequências.” Não senhor. O povo não tem qualquer consciência do seu poder, enquanto ferramenta absolutamente indispensável para que os governantes exerçam (e para que os aspirantes a governantes cheguem à cadeira). O povo julga-se absolutamente manobrado e manobrável. Portanto, encolhe os ombros e diz que não vale a pena, são todos assim, será sempre tudo uma desgraça e não vale sequer a pena votar… Mas não venha a pior, isso é que não.


O povo português vive também no terror do pior: se come comida de cão, queixa-se… mas ainda assim pensa que podia não ter sequer dinheiro para comprar ossos; se trabalha para um patrão mal formado, incompetente, arrogante e abusador, que nem sequer lhe paga a horas, queixa-se… mas pensa que podia nem sequer ter arranjado esse emprego porque conhece muita gente como ele que, apesar de ser qualificado, não consegue trabalhar; se espera um ano para ter uma consulta no Hospital, queixa-se… mas dá graças a Deus porque não tem cancro, que o podia ter morto nesse espaço de tempo. Não venha a pior.


Conhecem aquelas crianças que apanham pancadaria dos pais, mas quando são retiradas aos pais choram muito e dizem que não querem ir? Choram porque não têm mais ninguém no mundo. Não é difícil entender isto. Antes lidar com a violência que já conhecem, e, na sua inocência, julgam que aprendem a gerir, do que lidar com um vazio total num mundo tão grande. Pois esse é o retrato fiel, mutatis mutandis, do povo português.


 Tenho sempre vontade de rir quando me dizem que o português deu em anarca. Não senhor. O português quer um paizinho. Pode ser – e é tantas vezes – um pai abusador, que maltrata, mente e o faz sentir culpado do que não fez. Mas é alguém a quem obedecer, seguir, e, em última análise, depositar a nossa vida. O português não se emancipou. E vai seguindo, de pai adoptivo em pai adoptivo, de salvador em salvador, de D. Sebastião em D. Sebastião… é um povo onde o indivíduo per si não é capaz de responsabilidade porque foi educado na subserviência. A grande maioria das pessoas não se considera responsável por coisa alguma: tem pais ou patrões ou governantes ou desgovernantes que lhe impuseram um determinado estilo de vida. E, no entanto, serve-os com uma hipócrita fidelidade… por medo. Sem respeito e muito menos admiração. O medo é o triste conforto na qual repousa o português e do qual se orgulham, sem glória nem mérito, os que detém ou pretendem deter poder. É que Deus nos livre que isto venha a pior.