... "And now for something completely different" Monty Python

Monday, October 24, 2011

A Boa Terra de Pearl Buck


A Boa Terra é uma obra ainda hoje polémica. Fala-nos de Wang Lung, camponês pobre e trabalhador mas fiel aos princípios de dever familiar e para com a terra que regem a China. Em contraponto, está a casa de ricos proprietários Hwang, cujo pequeno império começa a declinar devido ao esbanjamento e ao uso incontrolado de ópio. A mulher de Wang Lung serviu como escrava na casa de Hwang e foi comprada pelo marido: só isso serve para demonstrar todo um feixe de relações.

O-Lan, a mulher, tem vários filhos, inclusive uma deficiente mental cujo nome é irrelevante pois todos na família lhe chamam “pobre tonta” e ainda uma filha que sufocam à nascença por não ter comida para lhe dar. Wang Lung vive miseravelmente durante a seca, as migrações para a cidade, os abjectos negócios de compra e venda entre ricos e pobres mas trata os filhos com a severidade de um patriarca, ensinando-lhes que prefere deitar comida fora e passar fome do que comer o que eles tenham surripiado a outros. Com o tempo, porém, desorientado e cansado da desgraça, também Wang Lu roubará e se revoltará contra os poderosos. A reviravolta da roda da fortuna faz com que Wang Lu desonesto consiga lucrar na vida o que jamais lucrara com a honestidade: prospera, educa os filhos, compra terras a Hwang, torna-se um senhor. Wang Lung esquece os valores: um rico merece uma concubina… ou mais. Com a compra de concubinas, a família de Wang Lu passa a ser um núcleo de guerras constantes entre as suas mulheres e seus filhos. Wang Lung, velho, não tem paz; sente que falhou.

A Boa Terra é tão criticado quanto aplaudido. Muitos argumentam que a cultura chinesa não pode ser criticada tão linearmente por uma “estrangeira” e que os sistemas políticos, familiares e sociais do Oriente jamais serão entendidos pelo Ocidente. Outros defendem que Buck escreveu muito cuidadosamente, sem juízos de valor em adjectivos, com pura e simples descrição de um tempo e espaço em que ela própria viveu.

Pearl Buck ganhou o Nobel da Literatura em 1938 “pelas suas ricas, verdadeiramente épicas descrições da vida na China rural e ainda pelas suas obras-primas biográficas”. Não era uma “estrangeira”. A China foi onde Buck passou a maior parte da sua vida, apesar da sua cidadania americana. Aos três meses, muda-se para lá, com os pais, missionários; aprende a falar chinês clássico e inglês desde os primeiros tempos; foi a menina “Sai Zenzhu” para todos e “Pearl” apenas em casa; em adulta, escolhe também a China para viver com o seu primeiro marido (de quem herdou o nome “Buck”). O casal vive momentos difíceis nas revoluções tormentosas da China, acabando por se mudar para os E.U.A. e por se divorciar. Buck volta a casar, mas não mais regressa à China… Foi impedida de o fazer pelos oficiais de estado chineses que a acusaram de “imperialista americana”. Ironicamente, a sua prosa e a sua forma de estar revolucionária eram mal vistas na América. O amor de Buck pela China e pela Humanidade foi demonstrado toda a vida em inúmeras acções, nomeadamente na forte campanha contra a discriminação da pobreza na Ásia, na promoção de oportunidades para todas as crianças e numa rede de adopção (na época, o regime chinês considerava as crianças filhas de nacionalidades mistas uma aberração). Buck foi uma das primeiras defensoras do povo, por convicção e não por moda. Marginalizada por duas culturas, a sua lápide está escrita em pinyin, por desejo seu.