A seguinte comunicação foi proferida no X Aniversário de ADIASPORA.COM em Londres. Está aqui publicado, visto que A Diáspora, enquanto orgão de divulgação, publica na íntegra as comunicações dos seus encontros.
Informações sobre o aniversário e ciclo de conferências podem ser encontrados aqui:
http://www.adiaspora.com/X_Aniversario_2011/index3.html
http://www.adiaspora.com/X_Aniversario_2011/discurso_carla_cook.html
Muito boa tarde a todos os presentes. Peço licença para saltar os cumprimentos protocolares, mas há uma lista grande de personalidades ilustres na sala e eu receio não ter presente os nomes e cargos de todos, pelo que iria decerto esquecer alguém involuntariamente se fosse tentar nomeá-los. Por esta razão, cumprimento numa só linha todos os presentes com o mesmo respeito e a mesma fraternidade.
Não posso, porém, deixar de nomear os aniversariantes. É, para mim, um grande prazer voltar a estar presente num aniversário de Adiaspora.com. A primeira vez que o fiz leccionava, precisamente, numa universidade do Canadá (morava no mesmo país que é a casa deste portal de divulgação da lusitanidade) e foi aí que me dei conta da existência do portal que eu, até à data, não sabia que existia.
Há tantas coisas, como todos nós aqui presentes sabemos, das quais só nos apercebemos melhor e mais profundamente quando emigramos. Na época, eu vivia numa cidade canadiana onde praticamente não moravam portugueses e, em Toronto (repleta de portugueses, como sabemos), conhecer A Adiaspora.com foi importante, aproximou-me de um grupo de pessoas alegres, que preservavam a cultura portuguesa com paixão sem deixarem de se integrar na sociedade do país onde estavam com firmeza. E isso fez o frio do Canadá menos frio.
Fico feliz por verificar que, cinco anos depois, Adiaspora.com continua a unir pessoas em torno da língua e da cultura portuguesas, com a mesma alegria e a mesma determinação que sempre lhes conheci.
Pediram-me para me debruçar hoje sobre um tema que aproximasse a Inglaterra dos Açores. Embora a Inglaterra também me seja um país familiar, eu não sou especialista em História – a minha área é a Cultura - pelo que em vez de fazer aproximações de carácter historicista entre o Reino Unido e a Região Autónoma dos Açores, optei por vos falar um pouco de algo que, efectivamente, é comum à essência de um e de outro, determinando, por isso, todo o seu quadro de acção e sendo o pilar-base da sua cultura. Refiro-me, é claro, ao facto de tanto a Grã-Bretanha ser uma ilha como os Açores serem ilhas, mutatis mutandis, isto é, com as devidas distâncias e cuidados que devemos ter ao falar de uma ilha que é a maior da Europa e a nona maior do mundo, sendo a terceira a nível de população, e um arquipélago que é frequentemente esquecido em muitos mapas dada a sua pouca área e cuja ilha mais pequena - o Corvo - tem 400 habitantes concentrados em 17 km2 de superfície total.
A diferença entre a realidade destes 400 habitantes versus 60 milhões de pessoas na Grã-Bretanha é, pois, abissal embora o ponto de partida de realidade insular seja comum.
Como verificam, esta linha de pensamento de cariz geográfico tem um âmbito de exploração muito factual e, a meu ver, restrito, dado que eu poderia passar aqui uma hora a fazer aproximações várias e outras tantas distinções entre a Grã-Bretanha e os Açores, mas todas essas aproximações e distinções de índole puramente territorial, demográfico ou matemático são coisas que fazem parte do nosso próprio saber enciclopédico, sendo apenas a base constituinte das diferenças e aproximações posteriores de matriz cultural que derivam da condicionante geográfica de ser ilha e de ser ilhéu. São essas matrizes culturais que aqui nos interessam muito mais. Aqui, tentarei mostrar que o ser-se ilha condiciona toda uma forma de ser, de estar, de agir e de pensar, e até de ser encarado pelos demais que não são ilhas.
Nestes breves minutos, vou restringir o meu pensamento por questões metodológicas,“fechando” naturalmente o âmbito para rigorosamente cair mais a fundo na Grã-Bretanha e nos Açores, mas a verdade é que poderíamos levar esta questão da Ilha como fundamento isolador e de diferença a um leque muito mais vasto: basta pensarmos que os cabo-verdianos e os são-tomenses, povos linguisticamente irmãos dos portugueses, têm uma perspectiva muito particular de si próprios enquanto africanos porque são povos insulares e arquipelágicos, contrariamente aos africanos continentais.
Já aconteceu estar em encontros dos países lusófonos, e verificar que as pessoas vindas de ilhas (Açores, Madeira, São Tomé e Cabo Verde) acabam sempre por se juntar, por oposição às que vivem numa plataforma continental - isso acontece porque estão unidas por aspectos inequívocos de semelhança, nomeadamente a ligação profunda e, mais do que profunda, necessária ao mar, que, se por um lado é o que as separa do resto do mundo e as isola, por outro é também a ponte que faz a sua comunicação com o resto do mundo: o mar é a sua fonte de subsistência, de prazer, a sua auto-estrada, o seu oxigénio na verdade. Esse sentimento que as une é aquilo a que, em 1936, o conhecido escritor e ensaísta Vitorino Nemésio chamou o “sentimento de solidão atlântica”.
Vamos penetrar mais fundo na exploração deste sentimento de solidão atlântica que compartilhamos aqui também na Grã-Bretanha, embora noutro prisma. À primeira vista, poderíamos pensar que não. Afinal, é uma ilha-potência, uma ilha-força maior no quadro da Europa que hoje vivemos, e até no mapa actual do nosso mundo. Ao pensarmos nos países economicamente fortes da União Europeia neste momento - que são, por inerência, também os decision-makers dos caminhos que tomamos - só nos ocorrem 3 nomes: a Alemanha, a França e o Reino Unido (que é, na sua maioria, constituído pela Grã-Bretanha, acrescentando-se depois o bocadinho correspondente à Irlanda do Norte, embora seja uma porção bastante limitada do território em termos percentuais e, ademais, também é um pedacinho de outra ilha, portanto… junta-se ao clube).
Ora, estes gigantes económicos europeus – e até mundiais (já que o Reino Unido é a sexta economia mais forte do mundo, segundo dados da Central Intelligence Agency referentes ao ano de 2010) –, estes pesos pesados da economia da Europa não são encarados da mesma forma pelos demais povos e países. Todos colocamos a França e a Alemanha num lado da balança e o Reino Unido no outro… E isto porquê? Porque desde o primeiro momento em que se pensou na criação de uma federação de estados unidos da Europa, o Reino Unido, embora querendo estar presente activamente e salientando ser totalmente a favor de uma União Europeia, diferenciou-se desde o primeiro instante dos restantes países que a constituem, nunca partilhando por inteiro dos acordos de total indiferenciação de países-membros que constituem o caroço das linhas de acção da UE.
Refiro-me, concretamente, a dois exemplos por serem os mais mediáticos – o Reino Unido nunca aceitou a moeda única, optando sempre por preservar a boa e velha libra que aliás provou ser uma moeda bastante forte; o Reino Unido também nunca aceitou fazer parte do Espaço Schengen, isto é, fazer parte do sistema de passaportes unificado da Europa, porque quis continuar a manter - e cito de um comunicado de 1999 - “as suas fronteiras bem delimitadas e controladas, com verificação de passaportes” para os seus vizinhos europeus e política necessária de vistos para entrada no país para os que viessem de mais longe (há aqui uma excepção, que é a excepção feita ao acordo que o Reino Unido mantém até hoje com a Irlanda e que se denomina Common Travel Area).
Ora, se pensarmos que há mais países na União Europeia resistentes ao euro - como a Dinamarca - , já em relação a Schengen, o Reino Unido e a Irlanda foram os únicos países a rejeitar a proposta de não abrir as suas fronteiras aos seus vizinhos. E a“desculpa”, ou melhor dizendo a razão, é a mesma que davam para o euro ou que sempre evocam quando acham que algo é ameaçador da sua forma de ser e de estar como povo: dizem à Europa “Nós somos diferentes. Vocês são o continente; nós somos o Reino Unido, isto é, implicitamente, somos uma ilha, temos de proteger a nossa especificidade, temos de preservar a nossa cultura particular da grande massa que está do outro lado oceânico.”
Esta convicção que foi dita de forma ainda mais forte quando recusaram Schengen porque acharam que tinham de proteger as suas fronteiras limitativas insulares (abrindo uma porta de confiança apenas à Irlanda, ilha como eles e sua vizinha) é uma frase muitíssimo interessante pela própria diferenciação que carrega não só da percepção NÓS (Reino Unido) versus VOCÊS (Europa), mas, indo mais longe, ao radical que está na base da diferença dessa percepção que tem por base: NÓS (ilha) versus VOCÊS (continente europeu).
A este propósito, permitam-me que vos conte uma pequeníssima história que se passou comigo. A certa altura da minha vida, estava a estudar em Inglaterra, numa cidadezinha da costa do Sul. Encontrava-me num café com um colega de curso que era francês. Dado que falo francês razoavelmente bem, a dona do café, que nos escutava, perguntou-me se eu era do Continente: “Are you from the Continent?” Mais tarde, estranhei ela não dizer mainland que era a palavra, a meu ver, mais correcta e usual mas, na associação rápida e talvez provinciana da minha cabeça de açoriana só me ocorreu que ela falava do “Continente” que é a palavra, como sabem, pela qual os açorianos designam habitualmente Portugal Continental. Pelo que lhe respondi “No, I’m not from the continent, I’m from the Azores!” Claro que a senhora nem tão pouco sabia o que eram os Açores e de modo algum viu a relação entre o “continent” dela e as minhas ilhas! Só mais tarde, percebi que para os ingleses, “continent” é uma forma de dizer “Europa”como para os açorianos “continente” é uma forma de referir “Portugal”, muito embora os ingleses façam efectivamente parte da Europa e os açorianos façam parte de Portugal… mas demarcam-se eles próprios do território, que já de si os demarcou por um acaso geográfico de distância inegável que eles assumem e acentuam ainda mais com a utilização deste vocábulo “continente” para referir a realidade da plataforma da qual, apesar de tudo, fazem parte. Ora, isto tem tanto mais graça quanto é uma referência comum aos ingleses e aos açorianos, salvas as devidas distâncias.
Aliás, os Açores também têm um estatuto diferente dentro da União Europeia, um estatuto que partilham com outras ilhas e que lhes advém precisamente do facto de serem ilhas que se encontram em território considerado fora da União, pertencendo, no entanto, a países da UE. Como sabem, a Madeira, os Açores, as Canárias, e territórios franceses como a Martinica, Reunião, Guadalupe e a Guiana Francesa são considerados regiões ultra-periféricas da Europa (“outermost regions” em inglês). O tratado da União que lhes atribui esse estatuto especial diz claramente que isso se aplica pela sua “insularidade” e claro que acrescenta outros factores, todos eles advindos desse primeiro factor, como sejam a sua “natureza remota, topografia e clima difíceis e particulares, dependência económica de alguns produtos, seu tamanho reduzido, a permanência e combinação de todos estes conjuntos factores [que agora citei] que largamente restringem o desenvolvimento destas ilhas”. Quase que diríamos, depois de ler estas linhas, que, mau grado pertencerem legalmente à União Europeia, estas ilhas estão quase que perdidas no mapa…
Claro que é fundamental aqui, mais uma vez, a diferença de tamanho geográfico e, posteriormente, de autonomia económica entre as nossas ilhas açorianas e esta grande ilha que é a Grã-Bretanha – naturalmente que essas diferenças condicionam a sua resposta e forma de estar na União Europeia, que é, curiosamente, sua vizinha mas também sua casa.
Como estamos a ver, a condição de se Ser Ilha é, por si só, um factor de isolamento em relação às plataformas continentais.
A etimologia explica-nos muitas coisas. Aqui, socorri-me dela para fazer o trocadilho do título desta breve conversa convosco por me parecer sumamente interessante que a própria origem da palavra “ISOLAMENTO” viesse exactamente da palavra “ILHA”. Utilizei INSULA que é a palavra latina para ilha, por nos ser talvez mais familiar do que ISOLA, embora ISOLA seja a actual palavra italiana que precisamente significa ILHA por derivação do Latim INSULA - daí o “Isolamento”, que é a junção de ISOLA (Ilha) e do sufixo latino mentum que se usa em substantivos derivados de verbos para especificar o resultado de uma acção. Assim, e sem querer maçar os presentes com lições de gramática mas tão só exemplificar que as palavras contêm significados que não podem ser desprezados - até porque a língua é sempre a manifestação de uma realidade cultural que lhe está subjacente - vemos que esta palavra ISOLAMENTO significa nada mais nada menos que o “ser-se ilha”. Nós é que, posteriormente, lhe atribuímos significados extra, tais como solidão, reclusão, e eventualmente sentimentos depressivos ou de ostracismo. Mas todos eles são já uma marca a posteriori, serão, por assim dizer, efeitos do ser-se ilha ou do que nós entendemos que a realidade “ilha” traz em si.
A propósito desta nossa concepção posterior do que significa “isolamento”, gostava de vos falar um pouco de um ensaio de Nemésio acerca de um poeta açoriano chamado Roberto de Mesquita, poeta de que quase ninguém fala mas que, no entanto, foi provavelmente quem melhor encarnou a representação de ser ilhéu. Desde já, pelo seu percurso de vida - nasceu em 1871 em Santa Cruz das Flores, um local bastante isolado. Só saíu das ilhas dos Açores para uma única viagem em toda a sua vida, indo ao Continente, (em 1904), para visitar o irmão, que lá era professor. Teve, aliás, uma vida plena de vicissitudes cujas penosas circunstâncias mais acentuaram o seu carácter melancólico e reservado, contribuindo para que o isolamento geográfico fosse também mais marcado devido ao seu ensimesmamento pessoal. Na sua produção poética, vamos notar o pessimismo reflexivo, um sentimento de abandono, a animização da Natureza, o spleen envolto em mágoa e, sobretudo, “o isolamento ilhéu” que, como disse Nemésio, era, na sua poesia “a mensagem […] de valor principal.”
Nemésio considerava os escritos de Mesquita “o melhor exemplo do perfil difuso (…) da Açorianidade”. Este adjectivo é importante, como as brumas e os nevoeiros que circundam todas as ilhas deste mundo, incluindo aquela onde hoje nos encontramos (se os Açores têm as brumas, Londres tem o famoso nevoeiro e isto é, sem dúvida, a matriz caracteriológica do clima de uma ilha!). Mas do clima e sua importância, já falaremos…
Roberto de Mesquita tinha certos traços simbolistas porque lia Baudelaire e Verlaine (famosos na época) mas distinguia-se deles pelo seu “sentimento de solidão atlântica”que é, afinal, a condição humana de todos nós os que aqui nos encontramos, ilhéus no meio do grande mar.
Quando Nemésio se debruçou sobre a poesia de Mesquita, tinha há muito pouco tempo cunhado o célebre conceito de Açorianidade - fê-lo quase involuntariamente num artigo publicado na Revista
Ínsula em 1932 onde fala exactamente da consciência de ser ilhéu e, mais concretamente, de ser ilhéu nos Açores. Nesse mesmo texto, ele diz-nos:
Uma espécie de embriaguez do isolamento impregna a alma e os actos de todo o ilhéu, estrutura-lhe o espírito e procura uma fórmula quási religiosa de convívio com quem não teve a fortuna de nascer, como o logos, na água.
Nós, ilhéus isolados, não nascemos apenas junto do mar, o que prefiguraria liberdade e câmbio. Nós nascemos, como disse Nemésio no próprio seio e infinitude do mar, como as medusas e os peixes.
E isso faz toda a diferença.
É o isolamento, a solidão que define a condição de ser ilhéu; nesta e por esta circunstância, todo o íntimo, toda a cultura do ilhéu se torna ilha, à semelhança do exterior que o rodeia.
Estarmos insulados faz-nos tão diferentes porque acabamos não só por ESTAR insulados mas por SER insulados.
E é por isso que o ser-se ilhéu adquire uma geografia muito mais ampla: o ilhéu leva a Ilha para onde quer que vá, torna-se “homem que transporta um centro” e em função dele se vai completando. Leva a Ilha consigo dentro dele quando emigra, como bem sabemos – ela torna-se um arquétipo mítico da Ilha Perdida que já só dentro dele existe, porque é impossível voltar ao lugar de onde se partiu. Passa a ser, efectivamente, uma Ilha Perdida, que só existe dentro do próprio – “começamos”, como também dizia o poeta “a ser estrangeiros onde nascemos” (tema que já nos dava outra palestra!).
Voltando um pouco atrás – ao Ser Ilha e à notória influência dos elementos naturais e climatéricos na psique e no estado de espírito dos ilhéus. Na nossa Literatura, a ambiência natural aparece como parte intrínseca do sujeito, quase deixando de haver distinção entre a objectividade da Natureza e a subjectividade de quem escreve. O clima como definidor da anima é uma noção tão verdadeira quanto terrível pois o clima açoriano é de mormaço, de humidade abafada, de “totalidade saturada do ar” (Martins Garcia) que é também o que se sente noutras ilhas e até mesmo aqui.
Esse tipo de clima, de nevoeiros baixos é propenso à reflexão profunda, a uma certa melancolia do espírito e à “ilimitação parada “ de “ilhas acobardadas em neblina”, como se lê no
Mau Tempo no Canal.
Não é por acaso que refiro este livro – refiro-o primeiro por ser um livro extraordinário para avaliar da cobardia e dos repentes de coragem, conforme a montanha do Pico tem nuvens ou não, de tal modo as personagens se deixam influenciar pelo clima que as circunda; refiro-o, também, porque a este sentimento provocado pelo clima deu Nemésio um nome inglês na obra - chamou-lhe Azorean Torpor, a modorra açoreana, o torpor açoriano. Talvez porque uma das personagens do trio central de Mau Tempo no Canal é, como sabem, Roberto Clark, que emigrou em pequenino para Londres e volta agora ao Faial para “salvar” a família Clark Dulmo, eles próprios meio-ingleses, meio faialenses. Roberto Clark, a mais perfeita “junção de um gentleman londrino com um homem do Pico”, discorre longamente na obra sobre o
Azorean Torpor e sobre o modo de ser dos ilheús.
Para além disso, este mesmo livro define muito bem a “clausura insular”, a noção de ilha como prisão, conceito facilmente compreensível para qualquer não-ilhéu. O que já é mais difícil de explicar é porque é que os ilhéus são paradoxais na sua visão da Ilha, encarando-a como prisão mas vendo-a também como miragem de total liberdade, de lugar onde o puro e o natural estão mais presentes.
Assim, é curioso que a Ideia de Ilha acabe por ser antagónica mas coexistente, sendo a“Ilha considerada como escravizante e redutora” quando os ilhéus lá habitam mas“sedutora e maternal” quando dela se encontram apartados.
É por isso que ser Ilhéu é também e, forçosamente, viajar. A visão atlântica impele-nos, chama-nos para além, mas também aqui residem elementos contraditórios, pois embora a vontade de seguir em frente pelo espelho marítimo seja grande pois o mar é sempre uma voz que chama quem vive nele (o que no caso das ilhas pequenas, como os Açores, se verifica com a emigração e no caso das grandes, como a Grã Bretanha, com a saga das Descobertas…), há igualmente um certo gosto em deixar-se ficar no seu canto conhecido, no encanto dos cheiros da terra de sempre… e é isso que impele, decerto, o ilhéu a voltar à Ilha.
Vão desculpar-me ter feito aqui esta brevíssima incursão literária, mas conhecer uma cultura é, em grande parte, mergulhar nas suas histórias, já que a Literatura mais não é que o reflexo de uma Cultura, como todas as formas de arte. Não temos, porém, muito mais tempo e creio até que já me excedi nos minutos que me foram destinados.
Gostava de fechar esta minha exposição com uma frase de Nemésio sobre “O Açoriano e os Açores” que é, para mim, o resumo daquilo que representa nascer ou viver em ilhas:“As ilhas são o efémero, o contingente; só o mar é eterno e necessário.”
Estamos, portanto, todos nós, ilhéus, como que plantados na vastidão do mar e um pouco à sua mercê. Damo-nos conta - muito mais do que os povos continentais poderão alguma vez fazê-lo - da vastidão, da profundidade, do que está para além e nos ultrapassa, que é o Mar, face à nossa pequenez, à nossa circularidade, ao nosso insulamento. Este sentimento de autognose dos ilhéus e a sua íntima comunhão com o mar que tão bem Nemésio caracterizou de “necessário” – como todo o ilhéu poderá confirmar! – é o que aproxima as ilhas, todas as ilhas, umas das outras. Todos nós nesta sala – madeirenses, são-tomenses, açorianos, britânicos – não foi por acaso que nos juntámos num aniversário que tem por tema “Insularidades”… Isto acontece por sermos ilhas e porque o mar é o nosso oxigénio.
Espero ter contribuído com estas minhas reflexões para a celebração do espírito Insular, tal como me foi proposto. Muito obrigada pelo vosso tempo e pela vossa atenção. E, mais uma vez, parabéns ao Adiaspora.com.