Há
poucos dias, li uma entrevista no “Público” feita a Torsten Heinemann e a
Thomas Lemke, investigadores da Goethe Universität de Frankfurt que estiveram
em Portugal a participar num seminário de Patologia e Imunologia no Porto. À primeira
vista, pode parecer estranho que dois homens das Ciências (ditas) Humanas
tenham vindo a tal encontro, mas a razão é simples: Heinemann e Lemke
dedicam-se actualmente ao projecto “DNA and Immigration” que estuda as
implicações éticas e sociais da análise de ADN enquanto sistema usado na
política de imigração europeia.
Confesso
que foi uma surpresa saber que alguns governos europeus usam, desde há anos, as
análises de ADN como forma de travar a imigração para os seus países. Isto tem
peso sobretudo na questão do reagrupamento familiar, em que os candidatos têm
de passar pelo teste de ADN para provar que são filhos biológicos do imigrante
em causa e da sua legítima mulher, tal como consta da certidão de nascimento.
Na prática, isto significa que tanto os filhos adoptados como os que resultaram
de processos de fertilização tecnológica (in vitro, doações de esperma ou de
óvulos) ou os filhos de relações anteriores que coabitem com este casal têm a
entrada no país automaticamente negada e devem, portanto, permanecer num país
diferente do pai se este continuar a optar pela imigração. Escusado será dizer
que outras relações familiares com laço biológico (e.g. pais ou avós do
imigrante em causa ou seus filhos biológicos maiores de idade) ou sem este laço
(e.g. unidos de facto) são automaticamente recusadas.
Heinemann
e Lemke estudam a aplicação deste sistema sobretudo na Alemanha, embora estes
testes sejam utilizados por 21 países, dos quais 16 são europeus. Teoricamente,
não se pode obrigar o imigrante a sujeitar-se ao teste, mas quem não o fizer
tem a entrada negada. Não são aceites razões culturais, religiosas ou éticas
para a recusa. Nalguns países, é o imigrante quem tem de pagar o teste;
noutros, não. Há ainda a interessante variável de (pasme-se!) o sujeito apenas
ter de pagar se o resultado se apresentar negativo para ele. Os perfis de ADN
ficam na posse dos governos e podem ser usados para identificações criminais,
desde já diminuindo a presunção de inocência de um imigrante no contexto da
Lei.
Como
se prevê, há casos caricatos. Por exemplo, um viúvo africano que teve de
submeter dois filhos ao teste e descobriu que um não era seu… Essa criança,
órfã recente de mãe, teve de ficar na Somália, enquanto o pai e o irmão
emigravam para a Alemanha. Como se vê, é humanamente desastroso, mas bastante
eficaz do ponto de vista governamental de “travão” à imigração.
Pessoalmente,
tenho a mesma opinião que estes investigadores
que são peremptórios ao afirmar que a noção de família não se restringe
à biologia; pelo contrário, é uma noção plural e larga que faz parte do
conceito de vida do cidadão alemão – porquê negar um direito básico usufruído
por este ao cidadão que vem de fora? Tal negação tem efeitos catastróficos,
desde já na integração do imigrante, que vê membros importantes da sua família
nuclear excluídos do seu dia a dia sem razão para tal.
Acredito
no slogan que surgiu quando a febre dos clones se tornou moda: DNA pode
traduzir-se por “Do Not Ask”. Nenhum governo devia arrogar-se o direito de
comparar códigos genéticos para decidir se ficamos ou não com aqueles que
escolhemos por Amor. Utilizar algo tão pessoal e ademais tão acidental como a
biologia de um indivíduo para decidirmos da sua vida é brincar aos deuses e, no
caso concreto, aos deuses territoriais e cruéis, fazendo de outros seres
humanos as nossas casinhas do tabuleiro do monopólio. Isso terá, decerto, um
preço muito caro no futuro.
Heinemann
e Lemke consideram que a (sua) Alemanha é o país que aplica os testes de ADN de
forma mais implacável, seguindo à risca a genética e sem consideração pelo
aspecto humano.
Vagamente,
do fundo da memória, salta o nome de Josef Mengele, o médico “Anjo da Morte”
que, há 60 anos atrás, fazia experiências nos campos de concentração alemães, transformando
meninos de olhos escuros em exemplares de olhos azuis.
Não
será que, lenta e suavemente, estamos a caminhar num sentido hitleriano? Nada
disto é muito publicitado porque a opinião pública de hoje em dia, informada
através dos media, iria revoltar-se, tendo ainda a memória fresca de uma Europa
que foi devassada por ideais de pureza genética. Mas terá mesmo isso presente?
E não será que (devagar e com muita cautela para não assustar) a poderosa
máquina dos economicamente mais fortes está a tentar, de novo, uma raça superior?