... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, November 11, 2011

DNA - Do Not Ask


Há poucos dias, li uma entrevista no “Público” feita a Torsten Heinemann e a Thomas Lemke, investigadores da Goethe Universität de Frankfurt que estiveram em Portugal a participar num seminário de Patologia e Imunologia no Porto. À primeira vista, pode parecer estranho que dois homens das Ciências (ditas) Humanas tenham vindo a tal encontro, mas a razão é simples: Heinemann e Lemke dedicam-se actualmente ao projecto “DNA and Immigration” que estuda as implicações éticas e sociais da análise de ADN enquanto sistema usado na política de imigração europeia.

Confesso que foi uma surpresa saber que alguns governos europeus usam, desde há anos, as análises de ADN como forma de travar a imigração para os seus países. Isto tem peso sobretudo na questão do reagrupamento familiar, em que os candidatos têm de passar pelo teste de ADN para provar que são filhos biológicos do imigrante em causa e da sua legítima mulher, tal como consta da certidão de nascimento. Na prática, isto significa que tanto os filhos adoptados como os que resultaram de processos de fertilização tecnológica (in vitro, doações de esperma ou de óvulos) ou os filhos de relações anteriores que coabitem com este casal têm a entrada no país automaticamente negada e devem, portanto, permanecer num país diferente do pai se este continuar a optar pela imigração. Escusado será dizer que outras relações familiares com laço biológico (e.g. pais ou avós do imigrante em causa ou seus filhos biológicos maiores de idade) ou sem este laço (e.g. unidos de facto) são automaticamente recusadas.

Heinemann e Lemke estudam a aplicação deste sistema sobretudo na Alemanha, embora estes testes sejam utilizados por 21 países, dos quais 16 são europeus. Teoricamente, não se pode obrigar o imigrante a sujeitar-se ao teste, mas quem não o fizer tem a entrada negada. Não são aceites razões culturais, religiosas ou éticas para a recusa. Nalguns países, é o imigrante quem tem de pagar o teste; noutros, não. Há ainda a interessante variável de (pasme-se!) o sujeito apenas ter de pagar se o resultado se apresentar negativo para ele. Os perfis de ADN ficam na posse dos governos e podem ser usados para identificações criminais, desde já diminuindo a presunção de inocência de um imigrante no contexto da Lei.

Como se prevê, há casos caricatos. Por exemplo, um viúvo africano que teve de submeter dois filhos ao teste e descobriu que um não era seu… Essa criança, órfã recente de mãe, teve de ficar na Somália, enquanto o pai e o irmão emigravam para a Alemanha. Como se vê, é humanamente desastroso, mas bastante eficaz do ponto de vista governamental de “travão” à imigração.

Pessoalmente, tenho a mesma opinião que estes investigadores  que são peremptórios ao afirmar que a noção de família não se restringe à biologia; pelo contrário, é uma noção plural e larga que faz parte do conceito de vida do cidadão alemão – porquê negar um direito básico usufruído por este ao cidadão que vem de fora? Tal negação tem efeitos catastróficos, desde já na integração do imigrante, que vê membros importantes da sua família nuclear excluídos do seu dia a dia sem razão para tal.

Acredito no slogan que surgiu quando a febre dos clones se tornou moda: DNA pode traduzir-se por “Do Not Ask”. Nenhum governo devia arrogar-se o direito de comparar códigos genéticos para decidir se ficamos ou não com aqueles que escolhemos por Amor. Utilizar algo tão pessoal e ademais tão acidental como a biologia de um indivíduo para decidirmos da sua vida é brincar aos deuses e, no caso concreto, aos deuses territoriais e cruéis, fazendo de outros seres humanos as nossas casinhas do tabuleiro do monopólio. Isso terá, decerto, um preço muito caro no futuro.

Heinemann e Lemke consideram que a (sua) Alemanha é o país que aplica os testes de ADN de forma mais implacável, seguindo à risca a genética e sem consideração pelo aspecto humano.

Vagamente, do fundo da memória, salta o nome de Josef Mengele, o médico “Anjo da Morte” que, há 60 anos atrás, fazia experiências nos campos de concentração alemães, transformando meninos de olhos escuros em exemplares de olhos azuis.

Não será que, lenta e suavemente, estamos a caminhar num sentido hitleriano? Nada disto é muito publicitado porque a opinião pública de hoje em dia, informada através dos media, iria revoltar-se, tendo ainda a memória fresca de uma Europa que foi devassada por ideais de pureza genética. Mas terá mesmo isso presente? E não será que (devagar e com muita cautela para não assustar) a poderosa máquina dos economicamente mais fortes está a tentar, de novo, uma raça superior?