Li no jornal o caso de uma menina
de 12 anos que tinha sido adoptada e foi devolvida porque os (então) pais
adoptivos, moradores em Lisboa, dizem que ela “sofre de esquizofrenia grave”.
Não faço julgamentos sobre a vida íntima, mas há mesmo que levantar a voz neste
caso. O casal teve a menina em sua casa menos de um mês, altura em que percebeu
que ela “fazia teatrinhos e falava com amigos imaginários, era demasiado
tranquila e isolada e tinha dificuldade em criar laços emocionais”. Finalmente,
decidiram-se a falar mais intimamente com ela e foi quando, dizem eles, a
menina confessou que “falava com a irmã gémea que morreu mas que continuava
dentro dela e ouvia vozes dentro de si”. O casal, a beirar o meio século e com
idade para ter juízo, diz que percebeu “num fim de semana” que havia ali um
quadro de esquizofrenia, contactou a instituição onde a menina vivera seis anos
e foi informado de que “ela não tinha nenhum quadro clínico, mas tomava um
psicotrópico, que é dado a casos de esquizofrenia ou de dupla
personalidade.”
É só a mim que isto me parece um
caso de Polícia e não de Psiquiatria? E, caso seja de Psiquiatria, o paciente
não é, de certeza, a menina de 12 anos!...
Não vos parece normal o
isolamento inicial de uma menina que chega a uma casa estranha, habitada por
estranhos? Não seria invulgar que ela criasse laços emocionais em tão pouco
tempo? Não é saudável uma criança brincar aos teatrinhos? Não é comum às
crianças e aos adultos terem saudades dos entes importantes da sua vida que já
partiram e sentirem-nos como se continuassem presentes dentro de si? No caso
concreto, isso será tanto mais exacerbado quanto essa pessoa importante e falecida
é provavelmente o ideal de família e estabilidade desta criança e, portanto,
bem se pode compreender o que essa perda representou. “Anormal” e, seguramente,
sem sentimentos, seria o ser humano que não se sentisse perdido e só.
O que me parece invulgar aqui são
outras duas coisas. Primeiro, estes “pais” que não viram nenhuma destas evidências
e que, pelo contrário, esperavam uma menina perfeita e pronta-a-usar, que
respondesse com um abraço quando se carregasse no botão dessa “função”. Depois,
a leveza e irresponsabilidade com que eles diagnosticam um problema severo em
dois dias (já não se entrevistam os proponentes a adopções?). Segundo, a
instituição que administra, com a mesma displicência, psicotrópicos a crianças.
Não é por acaso que a
esquizofrenia é detectada no início da juventude (isto é, depois de terminada a
adolescência). É precisamente porque, antes disso, as respostas emotivas
bizarras, os pensamentos desorganizados, as alucinações, as falsas crenças e a
falta de distinção entre o real e o imaginário que caracteriza a doença não
podem ser facilmente destrinçados da vida usual de um adolescente com hormonas
saltitantes e muito menos da de uma criança, em cujo mundo a fantasia
desempenha um papel preponderante na aprendizagem e quantas vezes de saudável
escape (ao contrário do que devia acontecer na vida adulta). Só depois da
passagem para esse mundo cognitivo e emocional adulto se podem determinar que
certos processos de pensamento desintegrado ou de descontexto emocional são
esquizofrénicos. Antes, poderão ser simples brincadeiras, fases de crescimento,
etc, etc.
Para além disso, o uso de
psicotrópicos em quem quer que seja tem efeitos severos. São drogas fortes que
actuam no sistema nervoso central, elas próprias alterando o comportamento, o
humor e a cognição, quantas vezes de forma negativa. Todo o psicotrópico cria
dependência. Como diz um psiquiatra que é tio de um bom amigo meu: “Se fores
são mas tomares estes remédios, deixas de o ser em pouco tempo.” Posso imaginar
o efeito pernicioso e devastador que estas drogas têm numa criança. Dá-las a
uma menina pequena devia ser considerado crime, porque o é, de facto. Uma
instituição que o faz não devia continuar a ter menores ao seu cuidado. Está a
criar doentes que não existiam e a contribuir para a taxa de perturbados na
sociedade.
A terminar, aponto outra situação:
uma educadora de infância aconselhou os pais de um menino de 4 anos a darem-lhe
calmantes porque ele “era hiperactivo” e, segundo a experiência dela,
beneficiaria disso...
As pessoas parecem estar
esquecidas que as crianças são ruidosas, brincam, saltam, fazem teatros, têm
amigos invisíveis, choram, riem, são tímidas e envergonhadas hoje, atrevidas e
respondonas amanhã, não gostam de colos que não conhecem, têm saudades, gostam
de mimos, confundem-se e fazem partidas, são… crianças saudáveis. Se querem
robots, encomendem um pela internet.