... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, August 3, 2012

"Foi um ar que lhe deu... "


Dizem os mais antigos que, numa das “ilhas de baixo” (hoje promovidas a “ilhas de coesão”), havia, há gerações atrás, um famoso bêbedo, que passava muito do seu tempo caído nas bermas dos caminhos devido à forte influência do álcool. Chamavam-lhe Manuel Azoria, uma alcunha que já ninguém se lembra de onde veio.

O Manuel Azoria era bêbedo mas não era tolo. Simplesmente, por via do vício, ninguém lhe prestava atenção e todos o marginalizavam com aquele paternalismo altivo que é típico das sociedades burguesas.

Sucede que nessa mesma cidade, uma figura ilustre porque representativa do poder local, foi encontrado certa manhã na berma da estrada, sem sentidos e com um cheiro a álcool capaz de afrontar taberneiros. O caso foi imediatamente abafado e, se porventura aflorava os lábios de alguém, logo se desculpava a dita figura com as mais refinadas e ilógicas tolices. O Manuel Azoria passou a ter, então, este dito sempre pronto na boca: “Pois é, senhores, a balança não é igual para todos… O Manuel é encontrado no passeio: é um vadio e um bêbedo! O Sr. Comandante é encontrado no mesmo passeio: o Sr. Comandante teve uma vertigem!”

Esta história verídica só serve para demonstrar como o tribunal da opinião pública não condena acções mas condena, isso sim, indivíduos. Tudo depende não do que foi feito, mas sim do que se quer ver. De facto, quando se representa a justiça como cega, incorre-se num erro; regra geral, a justiça tem um par de óculos – a questão está nas lentes.

Veja-se o caso bem recente de dois músicos. Kit, músico açoriano, está preso, cumprindo uma sentença de um mês por ter passado um CD pirata no seu bar. Não sei quantas pessoas já terão cometido o crime de pirataria musical mas não conheço mais ninguém que tenha cumprido pena de prisão, pelo que me atrevo a dizer que este senhor deve ter incomodado muita gente na sua ilha natal para lhe terem dado um aviso tão brutal. É que custa muito a crer que se vá preso por causa de um CD pirata…

Sobretudo olhando para Paco Bandeira. Esta figura pública tem 3 anos de pena suspensa (suspensa, reparem!) por ter ameaçado a mulher com um revólver enquanto ela segurava a filha de 3 anos no colo. Ficaram provadas várias ameaças à senhora, mas não ficou provado que este acto de violência causasse trauma à filha – não sei o que seria preciso para que as autoridades e técnicos (supostamente especialistas) considerassem o acto traumatizante para a filha… De qualquer modo, foi ilibado de tal, e é um bom papá (visto que não chegou a matar a mamã!). Assim segue o carrocel. A propósito, a primeira mulher de Paco Bandeira morreu com um tiro na cabeça, supostamente um suicídio que nunca ficou muito claro… E, claro, ninguém se lembrou de relacionar ou recordar tal facto agora.

Se fosse um cidadão comum, estávamos perante um criminoso; como é Paco Bandeira, teve uma crise de nervos… ou é (ligeiramente) desequilibrado… foi, enfim, um ar que lhe deu. O crime do cidadão comum seria igual; mas a visão perante ele, diferente; e, logo, a pena atribuída também. Compreensível? Para a família de Paco Bandeira, talvez não. Talvez seja apenas mais injusto ser casada com ele do que com… o Manuel Azoria, por exemplo.