Dizem
os mais antigos que, numa das “ilhas de baixo” (hoje promovidas a “ilhas de
coesão”), havia, há gerações atrás, um famoso bêbedo, que passava muito do seu
tempo caído nas bermas dos caminhos devido à forte influência do álcool.
Chamavam-lhe Manuel Azoria, uma alcunha que já ninguém se lembra de onde veio.
O
Manuel Azoria era bêbedo mas não era tolo. Simplesmente, por via do vício,
ninguém lhe prestava atenção e todos o marginalizavam com aquele paternalismo
altivo que é típico das sociedades burguesas.
Sucede
que nessa mesma cidade, uma figura ilustre porque representativa do poder
local, foi encontrado certa manhã na berma da estrada, sem sentidos e com um
cheiro a álcool capaz de afrontar taberneiros. O caso foi imediatamente abafado
e, se porventura aflorava os lábios de alguém, logo se desculpava a dita figura
com as mais refinadas e ilógicas tolices. O Manuel Azoria passou a ter, então,
este dito sempre pronto na boca: “Pois é, senhores, a balança não é igual para
todos… O Manuel é encontrado no passeio: é um vadio e um bêbedo! O Sr.
Comandante é encontrado no mesmo passeio: o Sr. Comandante teve uma vertigem!”
Esta
história verídica só serve para demonstrar como o tribunal da opinião pública
não condena acções mas condena, isso sim, indivíduos. Tudo depende não do que
foi feito, mas sim do que se quer ver. De facto, quando se representa a justiça
como cega, incorre-se num erro; regra geral, a justiça tem um par de óculos – a
questão está nas lentes.
Veja-se
o caso bem recente de dois músicos. Kit, músico açoriano, está preso, cumprindo
uma sentença de um mês por ter passado um CD pirata no seu bar. Não sei quantas
pessoas já terão cometido o crime de pirataria musical mas não conheço mais
ninguém que tenha cumprido pena de prisão, pelo que me atrevo a dizer que este
senhor deve ter incomodado muita gente na sua ilha natal para lhe terem dado um
aviso tão brutal. É que custa muito a crer que se vá preso por causa de um CD
pirata…
Sobretudo
olhando para Paco Bandeira. Esta figura pública tem 3 anos de pena suspensa
(suspensa, reparem!) por ter ameaçado a mulher com um revólver enquanto ela
segurava a filha de 3 anos no colo. Ficaram provadas várias ameaças à senhora,
mas não ficou provado que este acto de violência causasse trauma à filha – não
sei o que seria preciso para que as autoridades e técnicos (supostamente
especialistas) considerassem o acto traumatizante para a filha… De qualquer
modo, foi ilibado de tal, e é um bom papá (visto que não chegou a matar a mamã!).
Assim segue o carrocel. A propósito, a primeira mulher de Paco Bandeira morreu
com um tiro na cabeça, supostamente um suicídio que nunca ficou muito claro… E,
claro, ninguém se lembrou de relacionar ou recordar tal facto agora.
Se
fosse um cidadão comum, estávamos perante um criminoso; como é Paco Bandeira,
teve uma crise de nervos… ou é (ligeiramente) desequilibrado… foi, enfim, um ar
que lhe deu. O crime do cidadão comum seria igual; mas a visão perante ele,
diferente; e, logo, a pena atribuída também. Compreensível? Para a família de
Paco Bandeira, talvez não. Talvez seja apenas mais injusto ser casada com ele
do que com… o Manuel Azoria, por exemplo.