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Friday, January 25, 2013

Entevista a Célia Cordeiro sobre "Ana de Castro Osório e a Mulher Republicana Portuguesa "



Ana de Castro Osório e a Mulher Republicana Portuguesa é o primeiro livro de Célia Carmen Cordeiro, acabado de lançar nas ilhas e na capital. A autora é açoriana, docente do quadro da Escola Básica 2, 3 da Maia (concelho da Ribeira Grande). Porém, os últimos anos da vida de Célia foram passados nos E.U.A. onde esteve na Universidade de Minnesota, a tirar Mestrado em Literatura, Cultura e Linguística Hispânica e Lusófona e ainda a leccionar. De tal modo se apaixonou pelos E.U.A., que por lá ficou na Universidade de Texas-Austin, onde é doutoranda de Literatura Luso-Brasileira. Para mais sabermos sobre este livro, resultado da sua tese de Mestrado, fomos conversar com a autora.


1.Porquê a escolha deste tema?

Cheguei à Universidade de Minnesota, em 2009, com o intuito de estudar e desenvolver pesquisa na área de Estudos das Mulheres. Assim sendo, comecei por estudar a Primeira Vaga dos Feminismos na Europa de modo a poder compreender e contextualizar como essa temática havia tomado forma em Portugal. Quando chegou o momento de escrever a tese de Mestrado, escolhi uma figura que se destacasse na luta pelos direitos das mulheres no contexto luso-brasileiro e, além disso, após a celebração do centenário da República em Portugal, pareceu-me que a obra de Ana de Castro Osório não tinha sido devidamente enfatizada neste enquadramento. Então, ela surge-me como a figura de eleição para a ponte que gostaria de fazer entre Portugal e o Brasil, concernente à luta pelos direitos das mulheres.


2.Ana de Castro Osório foi, efectivamente, uma mulher da Primeira República. Mas nota-se nela uma contradição entre os ideais dos direitos judiciais das mulheres – então uma novidade em Portugal – que defendeu na sua juventude e uma posição acomodada à sociedade patriarcal, já numa idade mais avançada. Como podemos entender tal?

A multiplicidade de nuances no seu pensamento parece-me ter a ver não só com o período conturbado e diversificado a nível político em que ela viveu (Monarquia, República e Ditadura), mas também com a sua decepção com o regime e, ainda, com motivos de ordem familiar e pessoal. A sua desilusão contínua com a República em 1911, e em 1913, na refutação do voto feminino (mesmo que apenas para as mulheres alfabetizadas), assim como a não institucionalização da educação feminina em todo o país, fez com que Ana de Castro Osório deixasse de confiar nas promessas dos republicanos. Além disso, os filhos filiam-se no Partido Nacionalista e Ana de Castro Osório tem problemas com o regime por causa disso. Finalmente, fica viúva em 1914. Essas são razões que a fazem querer ser conhecida mais pelas suas obras literárias e menos enquanto activista feminista. Ela quer ser reconhecida como escritora, precisa de dinheiro para viver e o seu público é a burguesia. Por conseguinte, ela escreve no tom que a audiência quer “ouvir”.


3.Outra dicotomia é a posição que Ana de Castro Osório defende em termos educativos e mesmo profissionais, sublinhando bem a diferença entre as senhoras burguesas e as mulheres operárias. Podemos considera-la uma elitista?

Ana de Castro Osório fazia parte de uma elite com nome, mas com pouco dinheiro. Ela passou por algumas dificuldades financeiras, socorrendo-se muitas vezes do pai e de outros familiares. Ela passou a escrever, a partir de certa altura, com o intuito de ganhar dinheiro. Na sua fase de militância política, ela lutou bastante pelos direitos das mulheres da classe operária, particularmente no acesso delas à educação e ao trabalho justamente remunerado. No entanto, ela ainda teme a “desordem social” no que diz respeito à igualdade de privilégios para todas as classes. Educação para todas as mulheres, por exemplo, mas diversificada, de acordo com a classe a que cada uma pertence, ou seja, com a noção clara das diferentes funções sociais de cada mulher. Neste sentido, o seu pensamento, tal como o de Dom António da Costa, vem na linha do pedagogo setecentista Ribeiro Sanches. Logo, há a preocupação de uma elitista em manter a ordem social estabelecida.


4. Na obra de Ana de Castro Osório, sublinha-se que a maior conquista da mulher é ser mãe, e que esse é o seu maior direito mas simultaneamente a sua maior responsabilidade. A sua visão da educadora como principal regeneradora da Nação contraria o sentimento de decadência nacional?

À mãe burguesa cabe educar os futuros cidadãos republicanos. Neste sentido, ela contribui para combater a decadência nacional através da formação ministrada em casa aos filhos. As mães das outras classes sociais deverão complementar a sua experiência profissional com a instrução necessária ministrada fora das horas de expediente e enviar os filhos à escola. As mulheres solteiras desenvolverão o seu instinto maternal educando os filhos das mulheres operárias e camponesas de modo a colmatar a elevada taxa de analfabetismo nacional. No entanto, é à mulher burguesa mãe que Ana de Castro Osório atribui a responsabilidade máxima da maternidade como antídoto da decadência portuguesa, seguindo a linha republicana, positivista, na qual é a mãe burguesa a regeneradora da nação.


5. Ana de Castro Osório considerava que o papel da mulher em Portugal estava muito aquém do das suas congéneres mundiais, como ser humano, como mãe, como filha, como esposa. Sendo a Célia açoriana e trabalhando nos E.U.A., que lhe parece a situação actual do papel da mulher de um e doutro lado do Atlântico?

Parece-me que tal como no tempo de Ana de Castro Osório, há mais direitos legislados do que colocados em prática na sociedade portuguesa. Persiste a mentalidade patriarcal em Portugal, na medida em que aos dois sexos continua a ser exigido tarefas distintas na generalidade dos lares, mesmo que nas escolas se prima pela igualdade de desempenho de actividades. À excepção das grandes cidades, o resto do país continua a manter uma cultura de submissão feminina. Não é à toa que só em 2012 tenham morrido 39 mulheres portuguesas vítimas de violência doméstica, apesar das acções da ACCIG – Associação Cultura e Conhecimento para a Igualdade de Género – por todo o país. Nos Estados Unidos, essa questão da desigualdade de géneros não se coloca porque o sistema judicial funciona muito bem neste país e a assertividade inerente ao carácter dos americanos denuncia quando alguém se sente discriminado. Nota-se o desempenho das mesmas tarefas pelos dois sexos, quer seja a conduzir um autocarro, a cortar a relva ou a presidir a reuniões nos congressos federais. Isso não acontece em número diminuto e esporádico como em Portugal, mas em larga escala. Não há aqui a “finesse” europeia de dar lugar à mulher nos locais públicos como gesto de cortesia masculina porque ambos os sexos têm consciência plena da sua liberdade de acção para alcançarem todos os objectivos a que se propõem, confiando simplesmente na capacidade de cada um para tal. Penso que a influência da religião protestante neste país impulsionou muito a participação feminina na sociedade, desde logo, ao considerar homem e mulher de igual forma filhos de Deus e, por isso, com legitimidade para propagar a Sua Palavra. Foi com base nesse pensamento que as convenções religiosas deram lugar às convenções em prol dos direitos das mulheres americanas como, por exemplo, a de Seneca Falls, em 1848. Na Europa do Sul, os padres influenciaram negativamente as mulheres durante demasiado tempo e, ainda hoje, em muitas vilas e aldeias, teme-se a ira de Deus, lamentavelmente.  É nisso que entronca a nossa cultura judaico-cristã,  quer queiramos, quer não.