... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 19, 2013

Ecrã

Um dos aspetos negativos da nossa atual tendência para viver com as últimas caixas que mudaram o mundo é a dependência emotiva que criamos delas. Numa Ted Talk intitulada “Alone Together”, fala-se de como, hoje, as relações afetivas se vivem através da internet e do telemóvel. Sherry Turkle diz que, a primeira vez que deu uma conferência, a sua filha estava na primeira fila. Anos depois, a filha mandou-lhe uma mensagem de telemóvel a desejar boa sorte antes da conferência que a mãe ia dar… Essa mensagem foi para Turkle tão importante e real como um abraço: “Como veem, sou uma vítima dos aspetos que estudo”.

As pessoas mandam mensagens no telemóvel e no Facebook em todo o sítio, mesmo em funerais, à mesa do pequeno –almoço e em reuniões. Há quem mande mensagem a quem esteja sentado ao seu lado, em vez de lhe falar. Turkle, que estuda o impacto da tecnologia nas relações humanas, diz que a maior parte das pessoas se sente mais confortável a conversar no computador do que a dar as mãos.

O que os seres humanos pretendem é estar ali, junto do outro, mas também estar em todos os outros sítios onde não estão. A tecnologia permite criar a ilusão de que se está em todo o lado ao mesmo tempo e de que não perdemos quase nada dum mundo que queremos abarcar o mais possível.

A questão mais profunda é que o ser humano é obcecado pelo controlo. Usar os meios tecnológicos permite acessar aos botões “edit” e “delete” para retocar ou apagar coisas que dissemos e que correram mal. Mas nas conversações do dia a dia o que é dito… fica dito. Hoje, as pessoas têm medo de conversar sem o conforto da borracha tecnológica. Perdendo o hábito da conversação sem rede, perdem-se também os perigos e alegrias que ela encerra. Nomeadamente, o perigo de ter uma relação humana completa, ainda que com asneiras pelo meio.

A substituição da conversa frente a frente pela conversa tecnológica é tão comum que a generalidade dos adolescentes já tem dificuldade em conversar. Não o aprenderam e têm medo de se encontrar sem antes iniciarem contacto pelas redes sociais. A consequência psicológica disto é muito grave: implica solidão e uma falsa ideia de que o conhecimento de alguém faz-se com uma proteção de permeio.

A comunicação tecnológica obteve tanto sucesso porque o sentimento de que ninguém nos ouve é colmatado por redes sociais criando uma ilusão de ouvintes enquanto que também protegem de desilusões profundas. De fato, a tecnologia é tão poderosa que já existem os chamados “robots sociais” para acompanhar velhos e crianças, exatamente as camadas da população que estão mais sós.

A tecnologia apanhou-nos pelo lado mais vulnerável: estamos sozinhos mas temos medo da intimidade. É por isso que nos viramos para o ecrã, com as suas ilusões de intimidade e de controlo. Perdemos, portanto, a confiança de que os seres humanos estarão lá uns para os outros… mas a máquina amiga vai sempre lá estar, e com menos exigências.

A ideia de que nunca estaremos sozinhos com tecnologia é tão real que os solitários nas mesas e filas agarram-se logo aos telemóveis; têm pânico de serem vistos desconectados.

E, assim, como já ninguém sabe estar sozinho também já não se sabe estar acompanhado na vida real. Conversar com alguém ou refletir é complicado e é arriscado… mas bem mais compensador do que nunca se conhecer por dentro e do que romances e amigos num plano virtual.