Lembram-se daquela experiência do
violinista Joshua Bell no metro de NY, onde ele tocou incógnito como qualquer
músico de rua? O mesmo Joshua Bell cujos concertos esgotam semanas antes quando
ele toca no Metropolitan não conseguiu mais do que umas moedas, menos do que
outros músicos que tocavam por ali. Quando perde a aura que lhe dá o seu nome, Bell
não é melhor que um músico de esquina. É a fama de Bell e não o seu real
talento que vende. Em 2011, escrevi um artigo (“Essencialistas”) para este
jornal que falava desta experiência e da teoria psicológica que explica que a
admiração que sentimos por alguém é fruto da construção mental que fizemos
dele. Em resumo: somos nós os artífices de uma opinião que pode não coincidir
minimamente com os factos reais, e somo-lo apenas por via de uma ilusão por nós
construída. O talento de Bell mantém-se, na sala sinfónica ou no metro… mas o
que atrai o público é a figura de Bell, famoso ídolo, e não a sua música.
Adiante. Existe o lado oposto
desta teoria, que só ajuda ao seu suporte, comprovado pela aluna de um
internato inglês cuja professora de Literatura criticava sistematicamente as
suas composições. A aluna copiou um poema de Shelley e assinou o seu nome.
Recebeu a mesma nota medíocre de sempre… no poema do grande Shelley. Isto
mostra que, quando não simpatizamos com alguém, o nosso julgamento também é
feito a priori mas automaticamente pela negativa, e o juízo de valor atribuído
também não constata o conteúdo real.
Tudo isto se agrava se falamos da
opinião de multidões (como no caso Bell), porque na psicologia de massas, o que
um fizer, os restantes seguirão. Como dizia Gustave Le Bon, as multidões nunca
se elevam à inteligência do seu membro superior, pelo contrário; descem sempre
ao pensamento básico do seu membro mais inferior. De tal modo os estudos feitos
até hoje à Psicologia das Multidões nos demonstram que esta é irracional e
primitiva, que se torna quase ridículo acreditar que a opinião da maioria é
válida de ser seguida, pois a primeira premissa do pensamento de uma massa é
que ele não funciona de acordo com razões e desconhece argumentos lógicos.
Move-se pela emoção volátil, sendo normal as multidões mudarem de opinião
frequentemente (como exemplo claro, veja-se a crucificação de Cristo e a quantidade
de seguidores que teve… apenas uns anos depois!).
As opiniões das massas são
influenciadas por quê, se não têm qualquer lógica? Pela tal ilusão. Esta, por
sua vez, é sustentada em imagens, palavras, e líderes. O mundo precisa de
pessoas a quem adorar e, se uns adoram Joshua Bell (só na sala de concertos), outros
adoram o Cristiano Ronaldo. Aliás, é discutível o que seria do Ronaldo sem os
media para divulgarem a sua imagem – aquela que ele quer passar, obviamente. Poucas
pessoas famosas seriam grandes sem uma excelente gestão da sua “persona” pública.
As opiniões das multidões
divulgam-se por contágio, como a varicela. Os saudáveis (os que acharam que
Joshua Bell estava a tocar bem no metro porque pensam racionalmente) são logo
classificados como malucos e calam-se depressa.
Com tudo isto, o melhor conselho
a dizer às multidões é o conselho britânico: “Nunca julguem um livro pela sua
capa”. Bom, se for um livrinho do Cebolinha, vá lá… Agora, se for uma obra
densa do estilo “Crime e Castigo”, convenhamos que julgar 500 páginas de
Dostoievsky pelo grafismo e lombada não é lá de muito tarelo…