... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, December 6, 2013

Biblos


Lembram-se daquela experiência do violinista Joshua Bell no metro de NY, onde ele tocou incógnito como qualquer músico de rua? O mesmo Joshua Bell cujos concertos esgotam semanas antes quando ele toca no Metropolitan não conseguiu mais do que umas moedas, menos do que outros músicos que tocavam por ali. Quando perde a aura que lhe dá o seu nome, Bell não é melhor que um músico de esquina. É a fama de Bell e não o seu real talento que vende. Em 2011, escrevi um artigo (“Essencialistas”) para este jornal que falava desta experiência e da teoria psicológica que explica que a admiração que sentimos por alguém é fruto da construção mental que fizemos dele. Em resumo: somos nós os artífices de uma opinião que pode não coincidir minimamente com os factos reais, e somo-lo apenas por via de uma ilusão por nós construída. O talento de Bell mantém-se, na sala sinfónica ou no metro… mas o que atrai o público é a figura de Bell, famoso ídolo, e não a sua música.

Adiante. Existe o lado oposto desta teoria, que só ajuda ao seu suporte, comprovado pela aluna de um internato inglês cuja professora de Literatura criticava sistematicamente as suas composições. A aluna copiou um poema de Shelley e assinou o seu nome. Recebeu a mesma nota medíocre de sempre… no poema do grande Shelley. Isto mostra que, quando não simpatizamos com alguém, o nosso julgamento também é feito a priori mas automaticamente pela negativa, e o juízo de valor atribuído também não constata o conteúdo real.

Tudo isto se agrava se falamos da opinião de multidões (como no caso Bell), porque na psicologia de massas, o que um fizer, os restantes seguirão. Como dizia Gustave Le Bon, as multidões nunca se elevam à inteligência do seu membro superior, pelo contrário; descem sempre ao pensamento básico do seu membro mais inferior. De tal modo os estudos feitos até hoje à Psicologia das Multidões nos demonstram que esta é irracional e primitiva, que se torna quase ridículo acreditar que a opinião da maioria é válida de ser seguida, pois a primeira premissa do pensamento de uma massa é que ele não funciona de acordo com razões e desconhece argumentos lógicos. Move-se pela emoção volátil, sendo normal as multidões mudarem de opinião frequentemente (como exemplo claro, veja-se a crucificação de Cristo e a quantidade de seguidores que teve… apenas uns anos depois!).

As opiniões das massas são influenciadas por quê, se não têm qualquer lógica? Pela tal ilusão. Esta, por sua vez, é sustentada em imagens, palavras, e líderes. O mundo precisa de pessoas a quem adorar e, se uns adoram Joshua Bell (só na sala de concertos), outros adoram o Cristiano Ronaldo. Aliás, é discutível o que seria do Ronaldo sem os media para divulgarem a sua imagem – aquela que ele quer passar, obviamente. Poucas pessoas famosas seriam grandes sem uma excelente gestão da sua “persona” pública.

As opiniões das multidões divulgam-se por contágio, como a varicela. Os saudáveis (os que acharam que Joshua Bell estava a tocar bem no metro porque pensam racionalmente) são logo classificados como malucos e calam-se depressa.


Com tudo isto, o melhor conselho a dizer às multidões é o conselho britânico: “Nunca julguem um livro pela sua capa”. Bom, se for um livrinho do Cebolinha, vá lá… Agora, se for uma obra densa do estilo “Crime e Castigo”, convenhamos que julgar 500 páginas de Dostoievsky pelo grafismo e lombada não é lá de muito tarelo…