... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, April 11, 2014

A Banalidade do Mal

Adolf Eichmann era um homem comum. Vinha de uma sólida família, o pai e a madrasta eram protestantes convictos, foi um rapazinho obediente e regular, fazia desporto e tocava violino. Na adolescência, compensou a sua falta de brilhantismo sendo terrivelmente trabalhador. Juntou-se às SS, casou, teve 4 filhos. Era tão dedicado ao trabalho que chegou a tenente-coronel e ficou responsável pela logística de deportação dos judeus para os campos de extermínio. Eichmann fez o que sempre tinha feito: cumpriu as ordens excrupulosamente sem jamais as questionar. Ou melhor: Eichmann nunca parou para pensar pela sua cabeça.

Ontem como hoje, há milhões de homens como Eichmann. Não são pessoas repletas de maus sentimentos. Não são violentos, maldosos, sádicos, invejosos, cheios de raivas secretas. São pessoas banais, quase apagadas no tecido social. Mas obtêm, por sorte, ligações ou até por via do seu esforço contínuo e burocrata, uma certa dose de poder. Como é perigoso colocar poder nas mãos de quem não exerce pensamento próprio! Logo, esse inócuo autómato sente necessidade de cumprir o seu dever e obedecer aos seus superiores que nunca questiona. Daí resulta, como no caso de Eichmann, que um eficiente funcionário do Estado, cumpridor assíduo da Lei, se torna num monstruoso carrasco... mas nunca dá sequer por isso!

No seu julgamento em Israel nos anos 60, Eichmann não negou o que fizera mas insistiu que era um simples executante de ordens, um leal servidor do seu Estado – visto que as decisões não eram suas as consequências das mesmas não podiam ser-lhe imputadas. Eichmann nunca sequer pensou nas consequências; não era esse o seu papel, como referiu. Estava pois “inocente relativamente às acusações”. É interessante notar que Eichmann nunca negou as suas acções; o que ele nega é a sua consciência acerca das mesmas. A finalidade dos seus actos é inquestionável – mas, para Eichmann, essa finalidade nunca se colocou sequer...

Hannah Arendt, na época jornalista para o The New Yorker a fazer a cobertura do extenso julgamento de Eichmann, fez notar como era calmo e de aparência eficiente e bem inserida esse acusado, sem traços de violência doentia ou distorções de carácter. Homem zeloso, não tinha por desejo destruir, mas apenas fazer o que lhe competia. A questão que subjaz ao mal presente em Eichmann e que o levou a cometer um genocídio é a sua absoluta incapacidade de exercer a faculdade de pensamento. Eichmann não via para além do cumprimento da ordem, não raciocinava sobre esta; em suma, não dialogava consigo próprio sobre o curso das suas acções. A falta de auto-reflexão conduz a que Eichmann não tenha capacidades nem humanas nem morais. Era uma espécie de robot, que não unia causa a efeito e muito menos se colocava na pele alheia para observar o caso do ponto de vista das vítimas.

Desta experiência, Arendt retirou conclusões que modificariam profundamente o curso das suas próprias reflexões enquanto teorizadora política e humanista. Ela concluiu que o mal não é uma categoria abstracta, ontológica, metafísica. É, antes, algo absurdamente trivial, existe no espaço concreto e manifesta-se sempre que um homem escolhe exercê-lo (ainda que não pense nisso reflectidamente). O mal é uma escolha, pensada e muitas vezes não pensada, que encontra espaço num poder, que tanto pode ser pessoal como institucional. De facto, o mal é tão comum que pode até prosperar nas pessoas (cor)rectas. Sobretudo quando essas pessoas passam pela vida serenamente sem raciocinar.


... Só por curiosidade, Eichmann foi condenado por crimes contra a Humanidade. O vazio de pensamento não constituíu desculpa para a morte de milhões. As suas últimas palavras foram “Morro acreditando em Deus.” Não havia dúvidas da sua culpa, mas – ainda assim – muitos foram os que se emocionaram sinceramente com a sua morte. Como é estranho o tecido humano...