A melhor conversa sobre os 40 anos do 25 de Abril ouvi-a eu da boca de uma
criança de 7 aninhos. O pai estava a explicar-lhe a Revolução e disse uma frase
de pacote que foi, ipsis verbis,
isto: “Antes do 25 de Abril, o nosso país vivia na pobreza, na tristeza e no
medo.” Aqui, o pai parou um bocadinho a ver se o miúdo tinha entendido e ele,
muito sério, perguntou: ”Então e hoje vivemos ricos, felizes e corajosos?”
Pois.
Sou mais jovem do que o 25 de Abril e, por esse facto, muitos dirão que não
posso sequer opinar sobre a Revolução e muito menos sobre a Ditadura que a
antecedeu. Até certo ponto, concordo porque também eu sou da opinião que só
quem vive as situações – sejam elas quais forem - é que sabe como as coisas
realmente se passaram. No entanto, se há coisa sobre a qual posso opinar é
sobre o dia de hoje.
Nos últimos anos, deixou de ser tabu falar-se de pobreza em Portugal.
Apesar do novo-riquismo há poucos anos ostentado um pouco por toda a parte
(deixo de lado as considerações sobre se terá sido isso que contribuiu para a
situação actual), agora os portugueses perderam a vergonha de admitir que há
fome, há degradação, há condições sub-humanas. Se antes estas condições
afectavam apenas uma franjinha da população, sabemos que hoje uma boa parte
desta se encontra na miséria. Há um ano e um trimestre atrás, publicou-se uma
sondagem na qual se revelava que mais de 30% da população portuguesa vivia na
pobreza real, sem dinheiro para comer. Entretanto, os números foram subindo e
cada vez vemos mais notícias que, para além dos números, revelam que a face da
pobreza mudou. Agora não são apenas os pedintes, os desempregados e as famílias
numerosas. São os idosos – “temos os idosos mais pobres da Europa” era manchete
do Diário de Notícias recentemente – as
pessoas cujo salário não chega para satisfazer as necessidades mais básicas de
saúde, alimentação e habitação e as famílias monoparentais em que a
monoparentalidade se traduz nos filhos serem sustentados por um só progenitor.
E felizes, vivemos? Para não dar a minha opinião e armar-me em cientista
munida (novamente) de estatísticas, vou socorrer-me de um estudo da
Universidade de Columbia para a ONU que mede a felicidade mundial por países.
Portugal também tem vindo a descer a pique – só num ano desceu 12 posições, e
está agora na 85ª. Interrogaram-se as pessoas acerca da família, educação,
saúde, liberdade de escolha, capacidade económica e relações com a comunidade e
instituições públicas. Pelos vistos, os portugueses acham que estes sectores se
têm deteriorado muito. Dirão os que gostam da desculpa da crise que a culpa é
da “crise económica”, entidade abstracta com a qual ninguem parece ter nada a
ver. Bem, se a culpa é dessa senhora, porque raio os países europeus em crise –
Grécia, Espanha e Itália – se sentem todos mais felizes do que Portugal? A
título de exemplo, a Grécia, com aqueles tumultos todos que se vêem na
televisão, está 15 posições à nossa frente.
Então e o medo? O medo é o tabu que resta em Portugal. Alguns têm medo de
serem ostracizados o que, num lugar pequeno, já não é dizer pouco; outros têm
medo de perder o que lhes custou a construir; outros têm medo que os torturem
ou lhes magoem os filhos; enfim, a lista de medos é tão grande que se pode
escrever um livro. A prova disso é que um corajoso é algo tão anormal que é
olhado como se fosse um doente. O que é não ter medo em Portugal? É dizer,
frontalmente, o que muitos sabem e calam. Os que se calam, ameaçados ou não,
perpetuam o medo. Não sei se, lato sensu,
estávamos preparados culturalmente para a Democracia, pois que a nossa
mentalidade continua a subsistir em muitos pontos apoiados na Ditadura.
Um povo pobre, triste e com medo “ordena” alguma coisa – como profetiza a
tal canção de Abril? É que já nem as criancinhas enganamos...