A notícia sobre
a suspensão do jogador de futebol Americano Adrian Peterson da Liga após se ter
descoberto a acusação que pende sobre ele por castigos corporais violentos em
relação aos filhos veio levantar o debate nos E.U.A. do que se entende por
“castigos corporais violentos”. Imediatamente apareceu o clã de fãs – afinal, é
uma estrela do futebol local – a dizer que é vergonhoso o estado a que as coisas
chegaram no país, alegando que, por levar um estalo, um filho tem logo direito
a chamar a Polícia e que isto explica a indisciplina juvenil que grassa por aí…
Se eu tivesse ouvido apenas esta informação, seria bem capaz de concordar.
No entanto,
basta informarmo-nos sobre a história para perceber que o filho mais novo de
Peterson tem 4 anos apenas e que Peterson não lhe deu um estalo – usou um galho
de árvore para lhe bater nas pernas, na barriga e nos genitais até os deixar em
sangue. São variáveis que fazem toda a diferença. Não faço a minima ideia do
que fez a criança para receber o “castigo” em causa – alias, causa-me um certo
nojo que se faça esta pergunta, que implica a desculpa ética de que existe a
possibilidade de que uma criança de 4 anos possa ter aborrecido o papá de tal
forma que mereça ficar com os genitais em sangue. Talvez fosse bastante mais
humano e mais lógico indagarmo-nos sobre se o paizinho não precisa de um
tratamento de choque antes que se irrite com outra pessoa (ou com a mesma…)
Facto é que,
após esta notícia, fizeram-se sondagens (Vide Huffington Post e YouGov) e
concluiu-se que 81% dos americanos acredita que os castigos corporais são
benéficos na educação das crianças e deviam ser legalizados. O próprio Peterson
justificou a sua attitude perante o filho, alegando que ele mesmo costumava ser
tratado assim na infância e que essas punições “nunca lhe fizeram mal nenhum…”
Curiosamente (ou não!), é exactamente o mesmo argumento usado por todos aqueles
que acreditam que uma boa sova faz milagres: “eu também apanhei e não me fez
mal nenhum!” Aliás, costumam ir mais longe: tal como Peterson, acreditam que o
seu sucesso (profissional e social, já que o emocional parece andar pelas ruas
da amargura) se deve à “boa disciplina” que foi exercida pelos seus pais, cuja
pancadaria em muito lhes aproveitou. Não sou psicóloga, mas estou em crer
que isto é uma espécie de sublimação –
um mecanismo de defesa que torna um comportamento horrível numa situação socialmente
aceitável.
Há estudos de
sobra que nos demonstram que os castigos corporais abusivos não funcionam,
tornam as crianças mais agressivas, causam problemas neurológicos e são apenas
reflexos pavlovianos, isto é, não incutem noção do certo e do errado, fazendo
com que a criança continue a ter comportamentos “errados” quando a ameaça de
agressão não está por perto. Stacy Drury, professor de Ciência do Comportamento
na Universidade de Tulane, resume tudo quando diz que “os castigos corporais só
vêm ensinar às crianças que a agressão é um método aceitável para a resolução
de problemas.”
No caso de
Peterson, o problema é mais profundo. Não é uma simples agressão; é uma
brutalidade que merece ser legalmente punida, até pelas marcas que deixou e
deixará. Também não é um castigo; é um abuso de poder perante um ser humano
quase bebé. Finalmente, é a continuidade do que o próprio Peterson estava
habituado a ver como “normal” na convivência familiar.
A questão aqui
está no quebrar do ciclo. Nalguma geração – esperemos que na do filho de
Peterson, já que houve a coragem de desmascarar a situação e acabar com ela –
este ciclo de abusos terá de acabar. É a geração que quebra o ciclo que tem em
si não só o poder de mudança como a energia da evolução do mundo. Não é nisso
que reside o propósito da espécie humana?