... "And now for something completely different" Monty Python

Saturday, December 20, 2014

Eu vou contigo


Segunda-feira, um homem armado invadiu um café no centro de Sydney e fez reféns dos ocupantes durante 16 horas.  Tudo acabou com a morte do dito homem e também com as mortes de dois dos reféns.

O suposto “terrorista em nome individual” chamava-se Man Haron Monis, tinha 50 anos, e era islâmico, tendo, inclusive, uma posição clerical no Islão. De facto, Haron Monis obrigou alguns dos reféns a segurar uma bandeira de simbologia islâmica à janela do café. A partir deste momento, todos os islâmicos que vivem em Sydney começaram a recear generalizações e retaliações. Para complicar o assunto, Haron Monis não era um imigrante qualquer. Era um iraniano que procurou asilo politico na Austrália e cujo estatuto de refugiado politico lhe foi concedido por alegada perseguição do regime iraniano às suas (também alegadas) convicções liberais. Outra razão para que os imigrantes islâmicos começassem a ver esta história com outro contorno.

Não levou muito tempo até que o Primeiro Ministro Tony Abbott fosse interrogado pelos jornalistas quanto a esta tragédia e claro que lhe perguntaram exactamente como era possível que um refugiado politico, um estrangeiro protegido pelo país, se revoltasse em actos terroristas contra esse mesmo país. Qualquer PM encurralado teria respondido o mesmo à nação: que a Austrália talvez tenha de rever a sua política de imigração pois talvez esteja a ser demasiado tolerante.

O fim da frase foi como música festiva para todos os radicais e como um requiem para os islâmicos residentes em Sydney que pensaram, justamente, que terça-feira ia ser o primeiro de muitos dias de inferno que os esperavam na sua cidade.

Vivemos num mundo de redes sociais. Por isso, Michael James, reporter em Sydney, fez tweet de um episódio que se passou no metro: devido ao recente ódio inflamado contra os islâmicos, uma mulher islâmica com receio de ser atacada tirou o seu hijab para se tornar menos reconhecível. Enquanto o tirava, chorava. Então, uma rapariga não-islâmica levantou-se para ir atrás dela e disse-lhe “Põe-no outra vez. Eu vou contigo.”

Esta história simples entre duas estranhas gerou um enorme movimento que se chama “I’ll ride with you” (Eu vou contigo). O movimento começou no Twitter quando outra jovem, Tessa Klum, decidiu que esta era exactamente a opção a tomar e escreveu: “Se receias pela tua segurança nos transportes públicos porque usas símbolos islâmicos, eu posso ir contigo. Vamos combinar horário. Melhor, vamos fazer um movimento. Alguém se quer juntar a I’ll ride with you?” E sim, em 12 horas milhares de pessoas se juntaram.  Milhares de pessoas não-islâmicas se voluntariaram para acompanhar islâmicos, combinando horários ou simplesmente aparecendo nos transportes públicos com uma pulseira, um saco, um banner identificativo que diz “I’ll ride with you.”

O que isto quer dizer não é apenas que na Austrália há muitas pessoas que sabem distinguir entre o que é um homem louco – e já conhecido dos tribunais, por diversas acusações de violência, de perseguição e de crimes sexuais – e o que é um grupo de pessoas que não o reconhece como seu representante nem se identifica nas suas acções desumanas. Isto quer também dizer que a resposta de um país a um acto de violência feito por um imigrante só pode ser esta. Por duas razões: primeiro, porque a resposta de um país a actos de violência feitos por um seu cidadão nunca é ostracizar a nação toda (e reparem que a lógica seria igual) e segundo porque este movimento desencoraja completamente qualquer atitude dos grupos extremistas.

Sydney disse-nos esta semana que o sistema falhou, não porque acolheu um refugiado mas porque deixou um criminoso como Monis fora da cadeia. Mas duas raparigas anónimas criaram um movimento. Estas raparigas são a vida da cidade. E talvez venham, um dia destes, a fazer parte do grupo que decide.