A Noruega vai
aprovar uma lei que proíbe a mendicidade e que, para além disso, pune – com
pena até um ano de cadeia – quem ajudar um sem-abrigo. A lei de proibição da mendicidade
já tinha estado em voga no país, sendo abolida em 2005. Volta a ser retomada
pelo governo que foi eleito em 2013. Os apoiantes desta lei advogam que o
grande objectivo é “criminalizar a mendicidade organizada”, seja isso o que
for. Os próprios admitem que não é fácil descortinar o que é um mendigo e o que
é um mendigo que pretence a uma, chamemos-lhe, organização de mendicidade. De
qualquer forma, quem for apanhado a mendigar ou paga multa ou segue para a
cadeia.
De um ponto de
vista puramente pragmático e tendo em conta que na cadeia há um tecto, comida e
demais amenidades básicas, talvez o mendigo se sinta melhor lá do que a morrer
de frio (na Noruega, não será difícil morrer de hipotermia na rua). Mas duvido que esta ideia tenha sequer passado
pela cabeça dos legisladores, ou teriam optado por casas de abrigo em vez de
prisão, dado que a última implica uma privação de liberdade. Além disso, se o
problema do Governo é o “crime organizado” não parece muito inteligente que
coloquem estas pessoas na cadeia, onde hão-de conhecer verdadeiros criminosos.
De um ponto de
vista humanitário e até ético, é desastroso que uma lei destas seja aplicada. O
governo norueguês diz que os mendigos andam em grupos e que a esmagadora
maioria são imigrantes no país. De facto, falam apenas nestes, pelo que fiquei
em dúvida se um cidadão norueguês nunca mendiga e, caso assim seja, temos de
perguntar à Noruega sobre as suas fantásticas políticas sociais…. que não vão
querer revelar porque somos estrangeiros e, logo, gente não confiável, a julgar
pela opinião demonstrada.
A lei é tão mais
castradora e insensível que diz que as associações e centros que tenham por
missão ajudar os sem abrigo também terão de rever o que querem fazer da vida,
já que as punições legais também se lhes aplicam – excepto (e vejam bem a
hipocrisia) se o donativo ao sem-abrigo for feito numa época festiva.
Ou seja, se eu
der uns euros ou um prato de sopa a um sem abrigo na Noruega, sou criminosa; no
entanto, se o fizer no Natal, passo a ser uma boa alma. É por estas razões que o Natal acaba por ser a época mais
anti-cristã e mais egoísta que existe – perdoem-me os devotos da quadra.
Estas ideias não
são unicamente noruguesas nem peregrinas em termos governamentais. O governo
francês já tinha expresso umas opiniões singulares quanto aos sem-abrigo,
nomeadamente o conselho que lhes deu a Secretária de Estado da Saúde que, ao
verificar que as temperaturas estariam especialmente baixas em França,
maternalmente aconselhou os ditos a “ficarem em casa” – alguém, por favor, lhe explique a
semântica de “sem-abrigo”.
Paralelamente a
esta mania, apareceu uma campanha americana na internet que tem como objectivo
fazer-nos olhar os mendigos com outros olhos, para além de alertar as pessoas
para a facilidade com que se pode vir a ser um sem-abrigo. Nessa campanha,
vários sem-abrigo foram entrevistados, e foi-lhes pedido que revelassem a maior
meta que já tinham alcançado na vida. Há respostas surpreendentes de pessoas
que têm Doutoramentos e já trabalharam em organizações como a NASA, pessoas que
já foram artistas ou desportistas de mérito ou pessoas que fugiram com sucesso
de situações de tortura. Logo, um mendigo não só podes vir a ser tu ou eu como
pode bem ter sido alguém muito maior do que nós.
Porém, no caso
norueguês segue-se a política da personagem Susaninha da banda desenhada
Mafalda de Quino que dizia que ver mendigos lhe cortava o coração… Quando
Mafaldinha concorda e começa a debitar políticas sociais, Susaninha não tem
dúvidas: “Para quê tanta coisa? Bastava escondê-los da minha vista!”