... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, February 27, 2015

Mendigos

A Noruega vai aprovar uma lei que proíbe a mendicidade e que, para além disso, pune – com pena até um ano de cadeia – quem ajudar um sem-abrigo. A lei de proibição da mendicidade já tinha estado em voga no país, sendo abolida em 2005. Volta a ser retomada pelo governo que foi eleito em 2013. Os apoiantes desta lei advogam que o grande objectivo é “criminalizar a mendicidade organizada”, seja isso o que for. Os próprios admitem que não é fácil descortinar o que é um mendigo e o que é um mendigo que pretence a uma, chamemos-lhe, organização de mendicidade. De qualquer forma, quem for apanhado a mendigar ou paga multa ou segue para a cadeia.

De um ponto de vista puramente pragmático e tendo em conta que na cadeia há um tecto, comida e demais amenidades básicas, talvez o mendigo se sinta melhor lá do que a morrer de frio (na Noruega, não será difícil morrer de hipotermia na rua).  Mas duvido que esta ideia tenha sequer passado pela cabeça dos legisladores, ou teriam optado por casas de abrigo em vez de prisão, dado que a última implica uma privação de liberdade. Além disso, se o problema do Governo é o “crime organizado” não parece muito inteligente que coloquem estas pessoas na cadeia, onde hão-de conhecer verdadeiros criminosos.

De um ponto de vista humanitário e até ético, é desastroso que uma lei destas seja aplicada. O governo norueguês diz que os mendigos andam em grupos e que a esmagadora maioria são imigrantes no país. De facto, falam apenas nestes, pelo que fiquei em dúvida se um cidadão norueguês nunca mendiga e, caso assim seja, temos de perguntar à Noruega sobre as suas fantásticas políticas sociais…. que não vão querer revelar porque somos estrangeiros e, logo, gente não confiável, a julgar pela opinião demonstrada.

A lei é tão mais castradora e insensível que diz que as associações e centros que tenham por missão ajudar os sem abrigo também terão de rever o que querem fazer da vida, já que as punições legais também se lhes aplicam – excepto (e vejam bem a hipocrisia) se o donativo ao sem-abrigo for feito numa época festiva.

Ou seja, se eu der uns euros ou um prato de sopa a um sem abrigo na Noruega, sou criminosa; no entanto, se o fizer no Natal, passo a ser uma boa alma. É por estas razões  que o Natal acaba por ser a época mais anti-cristã e mais egoísta que existe – perdoem-me os devotos da quadra.

Estas ideias não são unicamente noruguesas nem peregrinas em termos governamentais. O governo francês já tinha expresso umas opiniões singulares quanto aos sem-abrigo, nomeadamente o conselho que lhes deu a Secretária de Estado da Saúde que, ao verificar que as temperaturas estariam especialmente baixas em França, maternalmente aconselhou os ditos a “ficarem em casa”   – alguém, por favor, lhe explique a semântica de “sem-abrigo”.

Paralelamente a esta mania, apareceu uma campanha americana na internet que tem como objectivo fazer-nos olhar os mendigos com outros olhos, para além de alertar as pessoas para a facilidade com que se pode vir a ser um sem-abrigo. Nessa campanha, vários sem-abrigo foram entrevistados, e foi-lhes pedido que revelassem a maior meta que já tinham alcançado na vida. Há respostas surpreendentes de pessoas que têm Doutoramentos e já trabalharam em organizações como a NASA, pessoas que já foram artistas ou desportistas de mérito ou pessoas que fugiram com sucesso de situações de tortura. Logo, um mendigo não só podes vir a ser tu ou eu como pode bem ter sido alguém muito maior do que nós.


Porém, no caso norueguês segue-se a política da personagem Susaninha da banda desenhada Mafalda de Quino que dizia que ver mendigos lhe cortava o coração… Quando Mafaldinha concorda e começa a debitar políticas sociais, Susaninha não tem dúvidas: “Para quê tanta coisa? Bastava escondê-los da minha vista!”