Ashya King é um menino nascido em Espanha com
nacionalidade britânica, agora com cinco anos, a quem foi diagnosticado um
tumor cerebral. Em Agosto passado, Ashya foi submetido a uma operação no
Southampton General Hospital. Infelizmente, o tipo de cancro do qual Ashya
sofria era um meduloblastoma agressivo, e embora a cirurgia tivesse corrido da
melhor forma, os riscos de “recaída” foram sempre admitidos como bastante
grandes. De acordo com as indicações do Hospital, a criança devia iniciar um
tratamento de quimioterapia quatro semanas após a cirurgia.
Os pais de Ashya, Brett e Naghemeh King, fizeram uma
coisa pouco popular em qualquer parte do mundo: decidiram pensar pela sua
própria cabeça e tentar saber quais eram as hipóteses do filho mediante os
tratamentos possíveis. Foi assim que descobriram que os tratamentos de
quimioterapia em crianças pequenas com esta patologia não tinham evidências de
sucesso desde 2013 – isto para além de serem altamente debilitantes para uma
criança fraca e jovem. Mais importante: as hipóteses de sobrevivência de Ashya
não seriam mais otimistas do que 5%.
Na sequência desta pesquisa, os King também repidamente
descobriram que havia outro tratamento possível: a terapia de raios de protões.
Esta terapia pertence às radioterapias possíveis e é um dos mais recentes
tratamentos para o cancro. Como tal, apenas se faz nalguns locais do mundo e,
ainda assim, dados os seus elevadíssimos custos, é necessário riqueza pessoal
para custear o tratamento… Ou, em alternativa, ser referido por um Hospital
para o fazer e, consequentemente, ser re-encaminhado para os centros de
tratamento existentes. O Southampton General Hospital recusou a possibilidade
que os pais de Ashya colocaram, e explicou que desde 2008 apenas 400 pacientes
tinham sido elegíveis para esse tipo de terapia. Os King decidiram, então, vender o que tinham
e embarcar eles próprios no que consideraram ser mais correto.
Levaram a criança para Málaga, primeiro. Ao fazê-lo,
foram contra ordens médicas inglesas e contra o Governo Britânico. Como tal, o Tribunal emitiu um mandato de
captura e os King foram presos – é provável que ninguém tenha pensado que um
menino de cinco anos, com meduloblastoma ficou sem a sua referência e companhia
no que podiam ter sido os seus últimos tempos de vida. Mas adiante: os King
acabaram por ser libertados porque o Crown Prosecution Service emitiu um
comunicado dizendo que não havia “provas suficientes para condenação por uma
ofensa criminal.” Os King acharam necessário dizer que não estavam contra a
Inglaterra porque a opinião pública atirou com a ideia de que eram ingratos aos
seu país e que eram Testemunhas de Jeová. Se eram ou não, não sei. Mas não me
parece o mais importante neste caso.
Aí, os King levaram Ashya para Praga na Rep. Checa, onde
lhe foi feito o tratamento de raios de protões, uma terapia também muito forte,
como são todas as destas patologias. Inicialmente, Ashya continuava sem
movimentos e sem fala. Três meses depois, começou a andar e a ter resposta
verbal. Esta semana, foi comunicado que Ashya está livre do meduloblastoma.
Aqui há uma salvaguarda, visto que todos sabemos que este tipo de doença pode
voltar a re-aparecer… Mas, no momento, Ashya não a tem e as suas chances de
sobrevivência aumentaram para 80%. A opinião pública – tipicamente sempre do
lado do vencedor – virou ao contrário: agora os King são uns heróis que lutaram
contra o sistema pela cura do filho pequeno.
Não sou médica, pelo que me inibo de emitir opinião
clínica. No entanto, como ser humano e mãe interrogo-me: não faria eu, também,
tudo o que achasse mais provável ser benéfico para a criança, independentemente
das ordens de um país?
A opinião pública é irrelevante, mas fica-me a questão:
até onde deve o Estado interferir neste tipo de decisões?