... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, April 10, 2015

As Pessoas Preocupadas


Preocupam-me as pessoas preocupadas. E elas são muitas. Cresceram com a sociedade de (des)informação. Têm muita teoria e nenhuma prática. São especialistas sem chegarem a usufruir plenamente do seu estatuto de seres pensantes. Não agem mas discutem – embora os seus argumentos careçam de racionalidade – e, sobretudo, têm a testa franzida, o nariz metediço, uma língua que não descansa. Estão, enfim, seriamente preocupadas com tudo sem nada fazer para o resolver.  

Há muitos géneros de pessoas preocupadas. São aquelas que se batem arduamente pelos direitos dos animais, mas são incapazes de recolher um cão da rua; são as que têm uma proclamada pena dos miseráveis refugiados que aparecem na televisão, mas têm um asco muito particular pelos imigrantes que vivem na sua zona; são as que acreditam na igualdade de direitos, mas só desde que possam continuar a dominar; são as que têm afilhados num país do Terceiro Mundo, para onde enviam uma contribuição anual, mas ficariam incomodadas de lhes tocar; as que teorizam, plenas de certezas, sobre os interesses das crianças e o que lhes faz bem, mas cujos filhos têm olhos infelizes e medo de abrir a boca ao pé delas; as que estão aflitas com a venda e o tráfico humano no Gana mas fecham os olhos ao caso do vizinho que, claramente, abusa dos filhos; são aquelas que fazem grandes posts no Facebook e tweetam como loucas sobre as injustiças deste mundo, achando que isso é o seu contributo para as minorar; as que dizem acreditar na força e beleza da arte, mas vão a concertos para serem fotografadas nas revistas sociais e bocejam com a música; as que defendem a educação mas não contribuem activamente para que ela exista; as que advogam o bom aspecto e se esquecem da essência; as que são sempre presentes em todas as missas e celebrações religiosas mas são incapazes de um rasgo de atitude benevolente ou justa; as que falam sobre a saúde para todos mas se enojam com as feridas dos que vêem na sala de espera do Hospital; as que falam no brilho da juventude mas não conseguem lidar com o facto de já não serem jovens ou as que falam no muito que há a aprender com a maturidade mas fecharam a mãe num lar onde não voltaram a pôr os pés; as que dão conselhos sobre exercício e dieta, mas rebentam-lhes as costuras dos vestidos e os botões das camisas; as que defendem a paz e o amor, mas nem em sua casa os promovem; as que enchem a boca com o direito à alegria mas incomoda-as a alegria dos outros; as que tomam posições sem saber dos conteúdos; as que falam de generosidade e têm as mãos fechadas; as que dão conferências sobre o papel da mulher e secretamente desconsideram todas as mulheres só por o serem; as que rotulam os filhos de autistas porque eles são tímidos ou de hiperactivos porque são, simplesmente, crianças; as que falam de igualdade de direitos dos homens, sendo reverentes ao poder e tiranas para com os restantes; as que têm um título e muitas entradas enciclopédicas mas descuram a ideologia e a profundidade das obras; as que acreditam em tudo o que lhes dizem e não páram para pensar; as que riem a todos e a todos desdenham; as que enchem sacos para as associações e orfanatos mas não dão um ovo ao vizinho quando lho falta; aquelas a quem Sophia de Mello Breyner chamava “as pessoas sensíveis, que não gostam de matar galinhas mas gostam de comer galinhas”; ... 

Preocupam-me. São as pessoas preocupadas que me causam uma testa franzida, uma reserva em as escutar, um espanto pela sua falta de sensibilidade e de coragem. As pessoas preocupadas são muito preocupantes.