... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, June 19, 2015

"Uma mudança tipo... assim"

Rachel Dolezal, líder da National Association for the Advancement of Colored People nos E.U.A., fez história a semana passada. Ou, por outra, fizeram-na os pais da Sra Dolezal quando vieram a público afirmar que a filha não tinha origens negras – como dizia – e que era uma perturbada a querer assumir uma identidade diferente da sua identidade original. O caso imediatamente levou ao levantamento de vozes de apoio e outras de censura: afinal pode ou não uma mulher caucasiana identificar-se como sendo negra?

As vozes contra dizem estar ofendidas pelo facto de Dolezal ter mentido e assim ter alegadamente conseguido chegar a líder da referida associação. No entanto, James Wilson, antigo presidente, afirma que a etnia não é relevante para esta liderança, embora seja tradicional que seja um/a negro/a a defender os direitos dos negros. Outras pessoas (curiosamente, brancos na sua maioria) dizem ressentir-se pelo facto de Dolezal ter dito repetidamente que conhecia na pele os problemas dos negros, o que – sendo ela caucasiana – não pode ser verídico.

As vozes a favor dizem que Dolezal tem feito um trabalho excelente, e que só isso prova que ela é suficientemente sensível à questão. Quanto ao assumir de identidade, houve quem muito sagazmente referisse o caso sincrónico de Caitlyn Jenner, que com 65 anos passou de Bruce Jenner – homem, estrela de TV e ex- campeão olímpico – a Caitlyn -  mulher, capa da Vanity Fair.

O argumento é: se toda a nação aceitou a existência da trans-sexualidade porque não pode aceitar a trans-racialidade?

Bem, está na moda apoiar a primeira e a segunda não… Mas vamos tentar ser mais objectivos. Surpreendeu-me que a comunidade trans se tenha vindo manifestar contra a Sra Dolezal (depois do comentário feito sobre Jenner, associando ambas as mudanças). O slogan era que a trans-racialidade não existe mas a trans-sexualidade sim. Confesso que esperava maior abertura por parte daqueles que, supostamente, sofreram devido a terem nascido na identidade errada. Mais foi dito que a etnia era algo genético e, portanto irrefutável (esperem… é mais genético do que o género? Estou confusa) e que a identidade sexual era uma escolha mas a étnica não (eu julgava que o Michael Jackson já tinha provado o contrário…). Além disso, foi reclamado que Dolezal não pode fingir que sabe o que é ser negra, porque nunca viveu no corpo de uma nem experienciou a discriminação que uma negra sofre… Alguém me ajude a perceber, segundo esta brilhante linha de pensamento defensivo, como é que Jenner – pai de seis filhos e homem durante mais de 60 anos – sabe o que é sofrer dores menstruais e ter o estrogénio em alta, ou alguma vez ter sido rejeitado num emprego porque estava grávido? Convenhamos: se aceitamos um não há argumento para renegar o outro. Ou seja: se uma pessoa pode mudar de género, porque não pode mudar de etnia? Afinal, resumem-se ambos a uma questão de identidade.

O argumento de que a trans-sexualidade é reconhecida mas a trans-racialidade não o é não pode convencer ninguém. O reconhecimento de algo como realidade é meramente diacrónico e dependente de pressões sociais, como todos sabemos…


Quanto ao caso específico da Sra Dolezal, não tenho opinião porque dele pouco sei. Sei que ela tinha seis irmãos adotivos, todos negros, e que acabou por adotar um deles como filho quando os seus pais foram provados incapazes. Cheira-me que há algo de absurdamente estranho quando os pais de alguém vêm a terreno dizer que a filha é perturbada e disfuncional… Ou, como dizia o médico Scott Peck, “quando um pai me apresenta um filho como sendo doente (i.e. louco), salvaguardo sempre a probabilidade de que a doença venha de quem afirma. Afinal, nada há de mais disfuncional do que um progenitor, idealmente figura protetora, que acusa os filhos de algo.”