... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, August 28, 2015

O Paradoxo de Teseu

A história do navio de Teseu é conhecida. Na mitologia grega, Teseu, que venceu o Minotauro na Ilha de Creta, voltou a Atenas por barco. Os atenienses preservaram o navio durante muito tempo. Com a passagem dos anos, o navio deteriorava-se… e as partes que já não estavam boas foram sendo substituídas por outras novas. Assim, madeiras do casco, mastro e velas, todos sofreram substituição. Plutarco, historiador grego que depois alcançou a cidadania romana, levantou, então, uma pertinente questão: até que ponto o navio continua a ser o navio de Teseu se as peças que o constituem já não são as mesmas?

A pergunta incide na questão da nossa perceção sobre o que seja a identidade – a identidade será estrutural ou será mítica? Até que ponto ela subsiste à mudança radical? A mudança das propriedades de um objeto desqualificam-no como sendo esse objeto e passam a qualificá-lo como sendo outro?
A Lei de Leibniz diz-nos que X é igual a Y quando (e apenas se) X e Y possuírem as mesmas propriedades e as mesmas relações. Mas não será que estas mudam, necessariamente, com o tempo? Como podemos inferir que uma propriedade num tempo é a mesma noutro tempo? Afinal, o tempo, se é alguma coisa, é devir, é mudança.

Para os budistas, a questão não existe já que a única essência que os seres possuem é serem, à partida, desprovidos de ser; a nossa perceção é que atribui características ao que é conceptualmente vazio. Mas o nosso pensamento ocidental não consegue aceitar uma existência desprovida de substância intrínseca.

É discutível. Alguns argumentam que sim, seria o mesmo navio, tanto quanto uma pipoca continua a ser um grão de milho. Outros dizem que não, porque os seus constituintes se regeneraram (quase) inteiramente.

Podia complicar isto com política, agora que estamos na época de campanha, usando a seguinte proposição: se apenas mudam alguns (poucos…) agentes, será que mudam as essências das propostas? Mas não vou por aí. A política não me oferece grande pensamento desde que Muriel Barbery, uma das escritoras contemporâneas mais brilhantes, disse a última palavra sobre ela: “é um brinquedo de meninos ricos que eles não emprestam a mais ninguém.”

Então, vou complicar com filosofia, um brinquedo ao alcance de todos. Heraclito disse que um rio é sempre um rio, sendo que as suas águas vão eternamente alterando… E Plutarco refutou que ninguém se banha duas vezes nas mesmas águas de um rio. Depois há as características que, segundo o sistema aristotélico, definem os seres: a forma, a matéria, o propósito e a origem. Se o navio tem a mesma forma, já a origem e a matéria podem ou não ser consideradas iguais. O propósito esse já não é, claramente, o mesmo. Mas poderemos inferir daí que é o propósito que define o ser ou o propósito é apenas uma das suas facetas?


Se acharam esta discussão - meramente teórica – uma complicação sem resposta (nem cabimento na silly season), experimentem pensar nisto em termos que envolvam seres humanos. Porque é na Humanidade que o paradoxo de Teseu se complica… Quanto subsiste do rapazinho de calções que ainda ontem andava na escola no adolescente de quinze anos? E quanto desse adolescente está no homem adulto? O que há de comum entre o rapazinho da escola e o velho em que ele se tornou? Serão eles o mesmo “navio”, se já nem as suas células são as mesmas…?