... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, October 9, 2015

A Rapariga da Banda

O Verão passado, uma amiga minha respondeu ao anúncio de uma banda que procurava vocalistas. Não foi aceite, porque “a banda só aceitava homens”. Eu entendia isto perfeitamente se a banda quisesse uma voz masculina. Podia ser que preferissem uma voz mais grave (sobretudo se fossem uma banda de doom ou de trash metal, o que até nem era o caso). Mas não era essa a razão. Acontece que numa banda de rock alternativo constituída apenas por rapazes, eles achavam “estranho” (sic) ter ali uma rapariga. A minha amiga fez um vídeo com excertos de estilos vários, com bandas onde há uma miúda -  Smashing Pumpkins, Fleetwood Mac, No Doubt, Evanescence, Nightwish, Garbage, Cranberries, Jefferson Airplane… - e depois mandou-lhos, com uma notinha a dizer (traduzo): “Incomoda-vos o facto de eu não ter um pénis ou incomoda-vos a hipótese de não conseguirem controlar os vossos comigo por perto?” 

Não houve resposta. Se acham que ela exagerou, imaginem que alguém tinha dito à Janis Joplin: “Ouve, miúda, cantas mesmo bem, mas estamos à procura de uma cantora negra, e embora cantes como uma, queremos mesmo é alguém com um tom mais escurinho…” Ah, pois é. Fica tudo a arrepelar os cabelos.

Quando as pessoas me dizem que já não há discriminação de género hoje em dia e que as mulheres imaginam (porque “imaginar” é o verbo que usam para falar destas coisas) que a discriminação baseada no sexo existe, gosto de lhes dar exemplos práticos. Uma banda formada por homens entre os vinte e os vinte e sete anos. Músicos, gente supostamente virada para o futuro. Acham “estranho” ensaiar e tocar com uma mulher. Um deles até confessou que ele, pessoalmente, não se incomodava mas que a namorada dele ia importar-se. Tradução: sou um tipo emancipado e progressista mas namoro uma mulher altamente ciumenta que odeia as outras mulheres todas e deixei o meu progresso e a minha virilidade fechados dentro da mala dela.

Eu podia dissertar imenso sobre a velha frase “o pior inimigo de uma mulher é sempre outra mulher menos dotada do que ela” mas é sempre uma frase que me entristece… pela verdade que contem.
É por estas coisas que fiquei muito contente por ter um filho e não uma filha. Em princípio e generalizando, a vida será, para ele, mais fácil porque nasceu homem. Eventualmente, nalguns aspetos – guardo-os para uma próxima crónica – nascer homem é uma complicação (da qual não estarei tão apta a falar). No entanto, se o meu rebento tivesse nascido mulher, seria convictamente mais complicado o seu percurso.

Espero, sobretudo, que um dia, ele seja um homem a sério. Um homem que tenha orgulho em si e nas suas escolhas. Se ele tocar numa banda, que toque com quem quiser, sem se preocupar com a opinião dos amigos e da namorada e da mãe (pode dar-me esta crónica, no caso de eu me ter esquecido até lá). Que não tenha ideias que perigosamente arrumam as pessoas em categorias rotuladas nem sentimentos de posse tão grandes e graves que impeçam as pessoas de quem ele mais gosta de serem livres para viverem, porque – já diziam os Antigos Gregos – o Amor é Vida, nunca o seu contrário.

Porque, afinal, a única forma de estarmos todos melhor é evitarmos o que nos encerra e o que nos enterra, como nos ensinou Savater.