... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, January 29, 2016

Ohmmm (Home em micaelense)


Em 1983, Howard Gardner, psicólogo de Harvard, lançou a Teoria das Inteligências Múltiplas em que dizia que não havia apenas um tipo de inteligência  - a que é medida pelo famoso teste de QI - mas sim tipos diferentes: uma inteligência musical, uma lógico-matemática, uma visual-espacial, uma linguística, uma corporal, uma inter-pessoal, uma naturalista, uma intra-pessoal e uma existencial. Cada pessoa possuiria mais ou menos habilidades num determinado tipo cognitivo, e é possível não ser especialmente dotado em nenhum. Assim, a criança especialmente dotada em Matemática não é mais inteligente do que aquela que conta pelos dedos mas tem, ao invés, um excelente controlo do seu corpo. Esta teoria, aprofundada nos anos seguintes, é hoje muito popular e conta com uma série de questionários engraçados mas não muito válidos que qualquer um se pode divertir a fazer se os quiser descarregar da net.

Entre amigos, decidimos fazer isso mesmo. Eu estava à espera que me saísse a inteligência linguística mas afinal não. Sou uma intra-pessoal. Quer isto dizer que tenho uma grande capacidade introspetiva e de reflexão, o que conduz ao entendimento de mim mesma. Isto não surpreendeu nada os meus amigos, alguns dos quais pertencem a essa malta do ioga e do reiki, pelo que ouvi o comentário: “Tu não precisas de aprender a meditar, porque já nasceste com grande capacidade de auto-conhecimento!”

Foi aí que percebi porque é que me rio tanto daquelas coisas do “ohmmm” quando os vejo com o polegar unido ao indicador e a testa franzida como se estivessem a fazer força….(depois vão relaxando). Eles, a princípio, ofendiam-se comigo mas depois perceberam que não é por mal…. É mesmo porque não entendo porque raio precisa uma pessoa de juntar os dedos e cruzar as pernas para se concentrar em si ou, simplesmente, meditar. Nunca hei de entender porque é necessário uma pessoa fechar os olhos para se evadir do espaço e tempo onde está! “E fluir” como eles gostam de dizer. Caramba, é que é mesmo fácil. Aliás, a julgar pelos meus alunos, eu diria que 98% da população consegue, tal como eu, evadir-se de onde está sem fechar os olhos e consegue fluir com a maior das facilidades. Não é preciso pagar aulas de meditação. Venham às minhas: levito-vos! No entanto, como todos os professores, não faço a mínima ideia do que estão a pensar, e nunca me atreverei a sugerir cores e imagens bonitas… seria um pouco psicadélico!

Quando alguém me diz que tem de ir à Índia para descobrir o seu “eu” espiritual, há qualquer coisa em mim que se retorce. Se não conseguiste dar-te conta que tens um espírito, não é porque vais mergulhar no Ganges (aliás, é um mergulho bem menos romântico e mais fétido do que esperas) que vais encontra-lo. Também nunca sei o que responder quando alguém decora a sua casa ou a sua pele com símbolos e palavras que para ele ou ela são apenas uma moda bonita mas que para outros são a sua religião e, portanto, significam um mundo cultural de arquétipos. É valioso quando sabemos o significado do que estamos a fazer mas se não o sabemos é… um nadinha ridículo.


Portanto, caso tenham um amigo neo-hippy, que passa a vida a repetir mantras mas que não sabe o que querem dizer, que murmura Hare Khrisnha mas nem tão pouco sabe quem é Khrishna… digam-lhe com todo o bom humor para ver um vídeo que se chama “Why Gandhi would not take your Yoga class”. É um knock out de riso! Mas, a sério, façam ioga, se puderem. Eu não faço que aquilo é um contorcionismo duríssimo para quem, como eu, já partiu as costas uma vez. 

Friday, January 15, 2016

Como prevenir a violação: não violando


Na noite de passagem de ano, muitas mulheres da cidade de Colónia na Alemanha viveram uma espécie de pesadelo a três dimensões. Segundo os registos oficiais, noventa mulheres apresentaram queixa por agressões sexuais sendo que os agressores agiram em grupo e o seu número ascende a mais de mil homens. Sabemos que nem todas as pessoas vítimas deste tipo de crimes apresentam queixa (por vergonha, medo e repulsa de ter de passar por um processo que pode não resolver coisa alguma) mas vamos supor que o número de noventa vítimas até está correto e vamos reduzir o número de agressores a mil para efeitos de tratamento de dados. Ainda assim, verificamos que há um espantoso número de 11.1 agressores para cada vítima! E isto numa só noite!

Estes “crimes de uma dimensão totalmente nova” segundo a Polícia de Colónia ocorreram entre o centro histórico da cidade e a estação de comboios. Não sabemos exatamente onde estava a Polícia, porque não há registos de que tenha travado nenhum destes crimes, isto apesar dos grupos de homens nunca serem menores do que cinco, o que tornava francamente visível a situação que, além do mais, se desenrolava em espaços públicos. Será que pensavam que se tratava de algum jogo de passagem de ano?!

Wolfgang Abers, o chefe de Polícia que falou à Comunicação Social, não adiantou muito, mas sempre disse que “a situação era intolerável” e que “iam tomar medidas”. Pelo que se vê deste laconismo, na prática é como estancar uma gangrena com um penso rápido.

Felizmente, os alemães (ou as alemãs, já que não houve vítimas do sexo masculino) podem dormir descansados caso morem perto de gente saxónica. Abers garante que os agressores eram “árabes ou provenientes do Norte de África”, já que todas as vítimas foram unânimes ao afirmar que os abusadores sexuais “não falavam nem alemão nem inglês”. É curioso que se determine imediatamente que a falta de conhecimento destas duas línguas os remeta já para as Arábias quando tantos outros países há mas… Para além disso, Abers também diz que os agressores estavam “bêbedos”. Não sei exatamente qual a relevância nem de um nem de outro facto já que nem a nacionalidade nem o estado de toxicidade de um abusador sexual diminui os crimes que ele cometeu. Mas Abers saberá. Afinal, é o trabalho dele. Ou seria o real trabalho dele ter feito qualquer coisa na noite de passagem de ano?

Entretanto, a Presidente da Câmara de Colónia (sim, uma mulher), Henriette Reker achou por bem dar uma conferência de imprensa onde expôs alguns conselhos às outras mulheres a fim de evitarem os abusos sexuais. A falta de solidariedade feminina consegue sempre surpreender: a única coisa que invejo nos homens é que se defendem até ao fim; já as mulheres são capazes de se desfazerem em bocados. Reker diz que “as mulheres devem manter-se junto de conhecidos, pedir ajuda a transeuntes e manterem-se a um braço de distância de desconhecidos para evitar violações”. Reparem como estes conselhos são úteis. Nunca em tempo algum se ouviu falar de alguém violada por um conhecido, basta pedir ajuda para ser salva e se não te chegares a eles, ninguém te toca. Afinal, a responsabilidade repousa na vítima e não no agressor, claro.


Felizmente, a Sra Presidente teve do povo e nas redes sociais a resposta que merecia. “Como prevenir a violação? Não violando.” 

Friday, January 1, 2016

Tu, Você, Exma Sra Dra (quiçá Doutora)


Em Portugal, as fórmulas de tratamento com que nos dirigimos às pessoas não são necessariamente indicadoras do (des)respeito que temos por elas. São motivo de grande confusão. Poucas são as línguas em que as pessoas se interrogam tanto sobre como devem tratar alguém. Um estrangeiro a quem ensino português perguntou-me quando é legítimo passar a tratar alguém por “tu” em vez de “você” e a minha resposta embrulhou-se em questões etárias, socio- profissionais e pessoais. Mas se a dúvida fosse apenas entre a segunda e a terceira pessoa do singular, estaríamos bem; seguiríamos a regra do “tu” e “vous” francês, do “du” e “Sie” alemão, do “tu” e “lei” italiano ou do “tu” e “usted” castelhano, tudo fórmulas familiares versus tratamentos corteses. No entanto, a questão em português é muito mais complicada.

Tenho a teoria de que quanto mais pomposamente me nomeiam, pior me vão tratar. Reparem: nas missivas dos serviços de Finanças, Segurança Social e similares, sou “V. Ex.ca” ou “Exma. Sra.”. São tratamentos extremamente pomposos com aroma a séc. XIX. A honra dura pouco tempo dado que, imediatamente a seguir, sou confrontada com algo mecanicamente redigido neste estilo: “Informa-se V. Ex.ca que está a pagamento o IMI” ou “Exma. Sra., o valor do Abono de Família desceu”. Portanto, traduz-se em:  “V. Ex.ca pague” ou “Exma. Sra. deixará de receber”.

Para os operadores de ações promocionais, sou “Doutora”. No trabalho, porém, não o sou. Aí, tenho uma panóplia de tratamentos desde “Professora” a “Mestre” (se o interlocutor é português) ou desde “Professor” a “Miss Cook” (para interlocutores anglófonos), e, finalmente, “Carla” tout court – de longe, a fórmula que prefiro. Há ainda uns monossílabos que entendo serem “Sôtora”, mais ou menos o equivalente a chamarem-me “Teacher” (o que também acontece).

Bancos e lojas, por exemplo, hesitam sempre entre “Sra. D.” e “Dra.”, consequência de eu não querer títulos nos cartões. Há ainda os que me chamam “Menina”, não sei se pela falta de aliança. Dentro do contexto laboral, mas em missiva eletrónica, há diversíssimas variantes, não só de grau de intimidade como de demonstração calorosa, a saber: “Cara Colega”, “Estimada Colaboradora”, “Prezada Professora” ou, na versão anglófona sem rodeios, sem género e por vezes até sem nome: “Dear Faculty Member”.

Há ainda a considerar a hesitação que medeia entre o uso do meu primeiro e do meu último nome. A aflição na cara de um sujeito que anseia por ser correto mas não sabe bem se me há de tratar por “Cara Sra Cook” ou “Cara Sra Carla”! O mais comum é um falante misturar atabalhoadamente várias formas de tratamento durante o mesmo discurso e desculpar-se pela sua falta de cortesia – que é tão insultuosa quanto o excesso da mesma.

E que dizer do uso da palavra “você” quando se me dirigem diretamente? Nada me soa tão vulgar como “você já viu isto?” e não consigo conceber onde está o chique da frase tão lisboeta “Pedrinho, você tem de prestar atenção aos seus pais” (tendo o Pedrinho cinco anos). Também me parece quase esquizofrénico o uso do meu nome antecedido por artigo para falar comigo e não de mim, como por ex: “A Carla quer mais chá?” (quem, eu? Ou outra? Ah, eu! Pois…)


Portanto, é difícil explicar a um estrangeiro isto das fórmulas de tratamento. Eu própria estou convencida que neste mundo de confusão onomástica reside a explicação da crise de identidade dos portugueses.