Em Portugal, as fórmulas de tratamento com que nos dirigimos às
pessoas não são necessariamente indicadoras do (des)respeito que temos por elas.
São motivo de grande confusão. Poucas são as línguas em que as pessoas se
interrogam tanto sobre como devem tratar alguém. Um estrangeiro a quem ensino
português perguntou-me quando é legítimo passar a tratar alguém por “tu” em vez
de “você” e a minha resposta embrulhou-se em questões etárias, socio-
profissionais e pessoais. Mas se a dúvida fosse apenas entre a segunda e a
terceira pessoa do singular, estaríamos bem; seguiríamos a regra do “tu” e
“vous” francês, do “du” e “Sie” alemão, do “tu” e “lei” italiano ou do “tu” e
“usted” castelhano, tudo fórmulas familiares versus tratamentos corteses. No
entanto, a questão em português é muito mais complicada.
Tenho a teoria de que quanto mais pomposamente me nomeiam, pior
me vão tratar. Reparem: nas missivas dos serviços de Finanças, Segurança Social
e similares, sou “V. Ex.ca” ou “Exma. Sra.”. São tratamentos extremamente
pomposos com aroma a séc. XIX. A honra dura pouco tempo dado que, imediatamente
a seguir, sou confrontada com algo mecanicamente redigido neste estilo:
“Informa-se V. Ex.ca que está a pagamento o IMI” ou “Exma. Sra., o valor do
Abono de Família desceu”. Portanto, traduz-se em: “V. Ex.ca pague” ou “Exma. Sra. deixará de
receber”.
Para os operadores de ações promocionais, sou “Doutora”. No
trabalho, porém, não o sou. Aí, tenho uma panóplia de tratamentos desde “Professora”
a “Mestre” (se o interlocutor é português) ou desde “Professor” a “Miss Cook” (para
interlocutores anglófonos), e, finalmente, “Carla” tout court – de longe, a fórmula que prefiro. Há ainda uns monossílabos
que entendo serem “Sôtora”, mais ou menos o equivalente a chamarem-me “Teacher”
(o que também acontece).
Bancos e lojas, por exemplo, hesitam sempre entre “Sra. D.” e
“Dra.”, consequência de eu não querer títulos nos cartões. Há ainda os que me
chamam “Menina”, não sei se pela falta de aliança. Dentro do contexto laboral, mas
em missiva eletrónica, há diversíssimas variantes, não só de grau de intimidade
como de demonstração calorosa, a saber: “Cara Colega”, “Estimada Colaboradora”,
“Prezada Professora” ou, na versão anglófona sem rodeios, sem género e por
vezes até sem nome: “Dear Faculty Member”.
Há ainda a considerar a hesitação que medeia entre o uso do
meu primeiro e do meu último nome. A aflição na cara de um sujeito que anseia
por ser correto mas não sabe bem se me há de tratar por “Cara Sra Cook” ou
“Cara Sra Carla”! O mais comum é um falante misturar atabalhoadamente várias
formas de tratamento durante o mesmo discurso e desculpar-se pela sua falta de
cortesia – que é tão insultuosa quanto o excesso da mesma.
E que dizer do uso da palavra “você” quando se me dirigem
diretamente? Nada me soa tão vulgar como “você já viu isto?” e não consigo
conceber onde está o chique da frase tão lisboeta “Pedrinho, você tem de
prestar atenção aos seus pais” (tendo o Pedrinho cinco anos). Também me parece
quase esquizofrénico o uso do meu nome antecedido por artigo para falar comigo
e não de mim, como por ex: “A Carla quer mais chá?” (quem, eu? Ou outra? Ah,
eu! Pois…)
Portanto, é difícil explicar a um estrangeiro isto das
fórmulas de tratamento. Eu própria estou convencida que neste mundo de confusão
onomástica reside a explicação da crise de identidade dos portugueses.