“Mas o que é que lhe aconteceu para estar com essa cara toda
sorridente, hã? Você até tem muitos motivos para andar maldisposta, que eu bem
sei… Diga lá, qual é a razão desse seu ar luminoso?" É quase escandalosa a
frequência com que ouço isto. As pessoas que não têm tendência à depressão
quase que têm de pedir desculpa ao resto do mundo por não andarem de trombas.
Sim, acontece-lhes tudo o que acontece aos outros (ou, de facto, até lhes
acontece muito mais). Mas não têm tendência depressiva, que se há de fazer? Ser
feliz (à falta de melhor palavra) não é uma coisa que se compra, raramente é
uma coisa que se torna e cada vez mais penso que é uma coisa que,
intrinsecamente, se é por persona, um
misto de índices hormonais com caraterísticas de personalidade. Logo, enquanto a
alguns lhes cai o mundo em cima mas eles continuam a sorrir porque veem uns
raios de sol por entre as frestas dos escombros, outros choram rios e tentam
cortar os pulsos ante a suposta antevisão da possível ameaça da queda de um
floco.
O que tenho reparado é que na nossa sociedade, nomeadamente em
Portugal, há alguma desconfiança relativamente aos “felizes por natureza”
(ainda que não por circunstância). A tendência é levantar a sobrancelha e
começar a murmurar porque raio andará aquele caramelo tão bem disposto…
certamente só pode andar feliz porque deve andar a lixar alguém! Parece ser a
única – tristemente válida – razão para se ficar contente por cá. Note-se como
estes valores são deturpados e, eles sim, deprimentes. Para além disso, as pessoas
confundem contentamento (um efeito de satisfação pela obtenção de algo) com
felicidade (que é um estado de espírito per
se) mas nem falemos nisso, já que, só por si, dava um livro e parece
ser a causa de muitos dramas.
Por outro lado, não há paciência para aquelas pessoas que
estão sempre, mas sempre bem dispostas e que nos saúdam com um sorriso enorme,
lambuzando-nos de beijos, e querendo saber de toda a nossa vida. Haja respeito
pelo espaço de cada um. Tanto interesse vindo de pessoas que não nos conhece
assim tão bem cheira a mexeriquice só que muito bem enfeitada de saliva. Calma.
Ninguém pode estar tão continua e escandalosamente bem disposto a não ser que
tome alguma coisa. A felicidade genuína é recatada e não exige manifestações
ruidosas.
As pessoas dizem que o dinheiro não traz felicidade. Mas a
verdade é que o amor, a sabedoria, etc, também não. Aliás, como todos sabem, no
amor sofre-se bastante (a par de muito se ter prazer). Acresce que ninguém ama
sozinho e tudo o que na vida se divide com outra pessoa passa automaticamente a
não depender do nosso controlo. Logo, a felicidade não pode depender de nada
disso. Já para não falarmos do raro que é o Amor (há milhares de coisas a que
se anda a chamar isso, mas não são isso) e se as pessoas felizes dependessem do
Amor para serem felizes, muitas não chegariam lá nunca. Ainda bem que a
felicidade não depende do Amor. Nem de ninguém. Da sabedoria, menos ainda
porque quanto mais se sabe, mais se pensa. Ora, todos os profundos pensadores
pecam pela análise demasiada; nunca o ser mais inteligente foi,
necessariamente, o mais feliz.
Ser feliz, no entanto, não é uma escolha – como agora se diz.
É uma característica bio-caracteriológica. Não significa deixar de sofrer. Não
é contagioso (embora a alegria o seja). É mal interpretado. É uma sorte. E é
mesmo bom.