O título resume o que penso acerca dos E.U.A. atualmente. O
maior problema da eleição de Trump nem é tanto o que o Presidente possa vir a
fazer, a ameaça que poderá constituir, as alianças ou as guerras, (des)acordos
e loucuras que possam vir a ter lugar. Tudo isto são hipóteses e apenas têm
para já lugar no campo do nosso receio, ainda que este tenha fundamento real e
siga a cadência lógica de atos e discursos feitos pelo próprio. O maior problema
reside, hoje, dentro da própria nação.
Como é óbvio, uma eleição nunca agrada a
todos. Há sempre uma fação do povo que se sente injustamente representada pelo
eleito. Porém, nunca como agora se viu um levantamento popular contra um
Presidente como o que se verifica contra Trump. Há centenas de websites
dedicados a “Trump is not my President”. Vários órgãos de comunicação social
são abertamente contra Trump e não se coíbem de o demonstrar com notícias em
que colocam a nu as suas incoerências. Por sua vez, Trump - como todo aquele
que é apanhado em falta - acusa-os de volta, chamando-os portadores de “fake
news”.
O Wall Street Journal, menos corajoso, tem chegado a
apresentar duas versões da mesma notícia na mesma edição de jornal, numa
apresentando o título “Trump softens his tone” e na outra “Trump talks tough on
Wall”. Falta dizer que a primeira era para ser distribuída no Texas e a segunda
em New York… Ou seja, para diferentes mercados dos E.U.A., constrói-se uma
notícia diversa, consoante o público seja apoiante de Trump ou não. Porque é
que isto é feito por alguns OCS, que não tomam posição definida? Porque precisam
de vender, claro. Mas a questão de fundo não é esta. A questão é: os E.U.A.
estão profundamente divididos, cortados como nunca.
Nunca se tinham visto populares a protestar na rua no dia da
tomada de posse de um Presidente dos E.U.A. Discordar de uma eleição é uma
coisa; protestar a ponto de não considerar sequer o Presidente como tal é outra,
absolutamente muito mais radical.
Trump não conseguirá ultrapassar esta barreira psicológica
que mais de metade de povo americano tem contra ele: não o respeitam o
suficiente e, como tal, não lhe reconhecem autoridade (moral, intelectual, qualquer
que seja) para o assumir como seu Presidente. A partir do momento em que Trump
começou a ser olhado com desprezo, perdeu a hipótese de ser “o” Presidente. A Lei
dá-lhe a autoridade, mas o indivíduo comum vê nele o ridículo, o narcisista,
aquele que precisa de recorrer ao Direito de ser Presidente porque não tem o
perfil. Como disse um advogado da minha faculdade: “Mal está quem tem de
recorrer a Decretos para promover sentimentos que só por si são Lei… ou então
não existem!”
Creio que foi Chateaubriand que disse que a História nunca é
imparcial, pois limita-se a ter a perspetiva do vencedor. Esta frase é tanto
mais séria se pensarmos que nunca teríamos tido conhecimento da existência do
Holocausto e seus horrores caso os nazis tivessem ganho a Segunda Guerra. Tudo
teria, então, “não existido”, sido uma fantasia dos oprimidos. Hoje existe o
vídeo, a internet… mas a verdadeira opressão é sempre feita em segredo, é
recatada. Que sabemos nós do que realmente acontece?
Se é verdade que Trump venceu, não é menos verdade que venceu
apenas no papel pois que não ganhou nem o respeito nem a afeição daqueles que
pretende sejam o seu povo. Para além disso, a perspetiva histórica do vencedor
é, no caso de Trump, muito pobre pois ele não é um indivíduo brilhante e
palpita-me que as obras (livros, filmes) que vão retratar esta época no futuro
lhe farão justiça. A palavra tem, eu sei, falta de uso nos tempos que correm.
São tempos de Trump.