... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, January 27, 2017

Estados serão, Unidos não mais


O título resume o que penso acerca dos E.U.A. atualmente. O maior problema da eleição de Trump nem é tanto o que o Presidente possa vir a fazer, a ameaça que poderá constituir, as alianças ou as guerras, (des)acordos e loucuras que possam vir a ter lugar. Tudo isto são hipóteses e apenas têm para já lugar no campo do nosso receio, ainda que este tenha fundamento real e siga a cadência lógica de atos e discursos feitos pelo próprio. O maior problema reside, hoje, dentro da própria nação. 

Como é óbvio, uma eleição nunca agrada a todos. Há sempre uma fação do povo que se sente injustamente representada pelo eleito. Porém, nunca como agora se viu um levantamento popular contra um Presidente como o que se verifica contra Trump. Há centenas de websites dedicados a “Trump is not my President”. Vários órgãos de comunicação social são abertamente contra Trump e não se coíbem de o demonstrar com notícias em que colocam a nu as suas incoerências. Por sua vez, Trump - como todo aquele que é apanhado em falta - acusa-os de volta, chamando-os portadores de “fake news”.

O Wall Street Journal, menos corajoso, tem chegado a apresentar duas versões da mesma notícia na mesma edição de jornal, numa apresentando o título “Trump softens his tone” e na outra “Trump talks tough on Wall”. Falta dizer que a primeira era para ser distribuída no Texas e a segunda em New York… Ou seja, para diferentes mercados dos E.U.A., constrói-se uma notícia diversa, consoante o público seja apoiante de Trump ou não. Porque é que isto é feito por alguns OCS, que não tomam posição definida? Porque precisam de vender, claro. Mas a questão de fundo não é esta. A questão é: os E.U.A. estão profundamente divididos, cortados como nunca.

Nunca se tinham visto populares a protestar na rua no dia da tomada de posse de um Presidente dos E.U.A. Discordar de uma eleição é uma coisa; protestar a ponto de não considerar sequer o Presidente como tal é outra, absolutamente muito mais radical.

Trump não conseguirá ultrapassar esta barreira psicológica que mais de metade de povo americano tem contra ele: não o respeitam o suficiente e, como tal, não lhe reconhecem autoridade (moral, intelectual, qualquer que seja) para o assumir como seu Presidente. A partir do momento em que Trump começou a ser olhado com desprezo, perdeu a hipótese de ser “o” Presidente. A Lei dá-lhe a autoridade, mas o indivíduo comum vê nele o ridículo, o narcisista, aquele que precisa de recorrer ao Direito de ser Presidente porque não tem o perfil. Como disse um advogado da minha faculdade: “Mal está quem tem de recorrer a Decretos para promover sentimentos que só por si são Lei… ou então não existem!”


Creio que foi Chateaubriand que disse que a História nunca é imparcial, pois limita-se a ter a perspetiva do vencedor. Esta frase é tanto mais séria se pensarmos que nunca teríamos tido conhecimento da existência do Holocausto e seus horrores caso os nazis tivessem ganho a Segunda Guerra. Tudo teria, então, “não existido”, sido uma fantasia dos oprimidos. Hoje existe o vídeo, a internet… mas a verdadeira opressão é sempre feita em segredo, é recatada. Que sabemos nós do que realmente acontece?

Se é verdade que Trump venceu, não é menos verdade que venceu apenas no papel pois que não ganhou nem o respeito nem a afeição daqueles que pretende sejam o seu povo. Para além disso, a perspetiva histórica do vencedor é, no caso de Trump, muito pobre pois ele não é um indivíduo brilhante e palpita-me que as obras (livros, filmes) que vão retratar esta época no futuro lhe farão justiça. A palavra tem, eu sei, falta de uso nos tempos que correm. São tempos de Trump.