... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, February 10, 2017

Viver é Escolher


Quando eu tinha 16 anos, mudei de terra, de casa, de escola, de amigos (“se são amigos, não mudam, acumulam-se!”). Era o dia 4 de janeiro quando embarquei no avião para ir fazer o 2º período noutra escola secundária. Ainda não estava matriculada. Era uma situação confusa porque nessa escola não tinham as mesmas disciplinas e era o meio do ano. Aconteceu, assim, que deixei de ter Latim e passei a ter Psicologia, deixei de ter Tradução e passei a Jornalismo, etc, etc… Não escolhi; era o que estava  disponível.

Quando cheguei, fui dormir para casa de uma tia, cujo cheiro a perfume americano e a tangerinas era flagrante. Na primeira noite, tive saudades da minha cama – não da minha casa, diferença que me pareceu de bom prenúncio. Para ir para a escola, caminhava-se um bom bocado. Eu fazia o caminho sozinha, mas determinada. Como diz Pepe Mujica, quando se está só, tem-se muito tempo para pensar: é por isso que estar só não é de todo negativo para uma pessoa dada à racionalidade.

Adaptei-me bem. Tinha certo bom humor para encontrar o melhor de cada situação. “No meio do caos e do dilúvio, eis que ela vive e sorri ainda!” foi uma frase que, por piada, um dos colegas do grupo de Teatro decalcou de uma opereta para exprimir essa capacidade de metamorfose nas catástrofes.

Mas… tinha saudades de voltar. Conversei, na época, com uma professora que me disse “Viver é escolher”, conversa acerca da qual muito reclamei porque eu não tinha feito escolha nenhuma nem considerava ter tido hipóteses de escolher. Mas vendo bem, existe sempre uma escolha no meio de qualquer desespero, por mais profundo que este seja, mesmo que abissal. Claro que o exemplo que dei aqui de uma mudança é banal, ainda que possa ser importante aos 16 anos, se considerarmos a solidão que daí advém. Mas se pensarmos em exemplos realmente vitais ou devastadores, que possam conduzir o ser humano a situações de dor ou perda insuportável, compreendemos melhor.

A escolha fundamental do ser humano em tais momentos é esta: continuar ou desistir.

É legítimo desistir e não condeno os que o fazem. De facto, nem eu mesma sei qual é a melhor opção já que na vida não há segundas hipóteses ou – voltando às aulas de Teatro – “na vida, o ensaio final e a estreia são uma e a mesma coisa!” Nunca é possível voltar atrás para verificar como teria sido se tivéssemos agido de outra forma, razão pela qual também não vale a pena perdermos muito tempo a remoer nisso.

Porém, desistir oferece um grande perigo: não há mais retas nem curvas, chegou o ponto final. Pode ser tentador, se já estamos muito cansados de lutar e tentar, mas é demasiado (de)terminante.

Continuar é sempre optar pela Vida, que mesmo sendo hoje amarga pode amanhã vir a ter outro sabor. É o não-estático, o devir, o aceitar das mudanças como das estações. Na Vida nada se apaga, mas um caminho faz-se andando – de preferência por nós mesmos - e não parando, esperando que nos venham ceifar os pés.

Portanto, mesmo quando nos dizem “não tens escolha” - essa frase ameaçadora e dominante que soa a gume de espada, a frio de gelo autocrático -, não acreditem. Há sempre uma escolha. Pode não ser a melhor. Pode ser muito difícil e dura, por ter de se pagar um alto preço (“o preço de algo é a vida que trocamos por ele”) mas uma escolha…  existe.