Quando eu tinha 16 anos, mudei de terra, de casa, de escola,
de amigos (“se são amigos, não mudam, acumulam-se!”). Era o dia 4 de janeiro
quando embarquei no avião para ir fazer o 2º período noutra escola secundária.
Ainda não estava matriculada. Era uma situação confusa porque nessa escola não
tinham as mesmas disciplinas e era o meio do ano. Aconteceu, assim, que deixei de
ter Latim e passei a ter Psicologia, deixei de ter Tradução e passei a Jornalismo,
etc, etc… Não escolhi; era o que estava disponível.
Quando cheguei, fui dormir para casa de uma tia, cujo cheiro
a perfume americano e a tangerinas era flagrante. Na primeira noite, tive saudades
da minha cama – não da minha casa, diferença que me pareceu de bom prenúncio.
Para ir para a escola, caminhava-se um bom bocado. Eu fazia o caminho sozinha,
mas determinada. Como diz Pepe Mujica, quando se está só, tem-se muito tempo
para pensar: é por isso que estar só não é de todo negativo para uma pessoa
dada à racionalidade.
Adaptei-me bem. Tinha certo bom humor para encontrar o melhor
de cada situação. “No meio do caos e do dilúvio, eis que ela vive e sorri
ainda!” foi uma frase que, por piada, um dos colegas do grupo de Teatro
decalcou de uma opereta para exprimir essa capacidade de metamorfose nas
catástrofes.
Mas… tinha saudades de voltar. Conversei, na época, com uma
professora que me disse “Viver é escolher”, conversa acerca da qual muito
reclamei porque eu não tinha feito escolha nenhuma nem considerava ter tido
hipóteses de escolher. Mas vendo bem, existe sempre uma escolha no meio de
qualquer desespero, por mais profundo que este seja, mesmo que abissal. Claro
que o exemplo que dei aqui de uma mudança é banal, ainda que possa ser
importante aos 16 anos, se considerarmos a solidão que daí advém. Mas se
pensarmos em exemplos realmente vitais ou devastadores, que possam conduzir o
ser humano a situações de dor ou perda insuportável, compreendemos melhor.
A escolha fundamental do ser humano em tais momentos é esta:
continuar ou desistir.
É legítimo desistir e não condeno os que o fazem. De facto,
nem eu mesma sei qual é a melhor opção já que na vida não há segundas hipóteses
ou – voltando às aulas de Teatro – “na vida, o ensaio final e a estreia são uma
e a mesma coisa!” Nunca é possível voltar atrás para verificar como teria sido
se tivéssemos agido de outra forma, razão pela qual também não vale a pena
perdermos muito tempo a remoer nisso.
Porém, desistir oferece um grande perigo: não há mais retas
nem curvas, chegou o ponto final. Pode ser tentador, se já estamos muito
cansados de lutar e tentar, mas é demasiado (de)terminante.
Continuar é sempre optar pela Vida, que mesmo sendo hoje
amarga pode amanhã vir a ter outro sabor. É o não-estático, o devir, o aceitar
das mudanças como das estações. Na Vida nada se apaga, mas um caminho faz-se
andando – de preferência por nós mesmos - e não parando, esperando que nos
venham ceifar os pés.
Portanto, mesmo quando nos dizem “não tens escolha” - essa frase
ameaçadora e dominante que soa a gume de espada, a frio de gelo autocrático -,
não acreditem. Há sempre uma escolha. Pode não ser a melhor. Pode ser muito
difícil e dura, por ter de se pagar um alto preço (“o preço de algo é a vida
que trocamos por ele”) mas uma escolha…
existe.