... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, March 29, 2018

Embriões crio preservados


Há semanas, estava com um grupo de pessoas por ocasião do meu aniversário e surgiu a questão do ser-se já velho ou ainda novo para fazer algo pela primeira vez. Uma das mulheres com 40 anos estava grávida do primeiro filho, razão pela qual outra lhe perguntou se ela se sentia confortável com isso. “Ainda terei mais uma!” respondeu a grávida. Acrescentou: “Se tudo correr bem neste parto, terei também uma menina daqui a 3 anos.” Eu ri-me: “Mas que boa Matemática! Com certeza do sexo do bebé e tudo!” Ela respondeu, muito natural: “Nós optámos por fertilização in vitro e congelamento posterior do embrião. Por isso, sei que terei mais uma menina e sei quando a vou ter. Está congelada. Vou esperar 3 anos até a colocar cá dentro… Já escolhemos o nome, é Miriam!”

O meu filho (de 9 anos e quase meio) perguntou: “O que é isso de congelar os bebés até os querermos?” Expliquei-lhe. “É preciso ter cuidado a abrir esse frigorífico” disse ele, com muita seriedade, mas a senhora grávida achou uma “piada muito gira!” e imediatamente o informou que iam ficar a dever-lhe imenso dinheiro se partissem o vitro (o que, novamente, me leva à discussão da ideia de que muita gente tem de que filho equivale a propriedade, mas isso é outro assunto).

Este foi o primeiro momento da vida em que me senti ultrapassada. Ou melhor: estou derrotada pela atualidade.  Convém dizer que não estou em Portugal e não sei se esta técnica de congelamento de embriões durante anos se pratica em todos os países. Claro que conheço quem tenha tido filhos por fertilização assistida, método nobre da ciência ao serviço de quem deseja ter filhos e não consegue. Mas a criopreservação de embriões como algo acessível a toda a população era desconhecida para mim. Ocorrem-me, de imediato, várias questões discutíveis, nas quais nunca tinha pensado e que gostava de esclarecer com quem percebesse do assunto.

Questões práticas: os embriões, frutos deste casal, são congelados para posterior uso daqui a 3, 5 ou 14 anos; entretanto, se a mãe morrer (é irrelevante o pai, porque ele não vai ser necessário para gravidez e parto), o que acontece? Coloca-se o embrião numa mãe de empréstimo? É possível, em certos países, fazê-lo (barrigas de aluguer são legais em 5 países apenas - felizmente, porque é uma brutalidade). Destrói-se o embrião? Imagino que não será possível, se o pai afirmar que quer o embrião, mas como vai ele fazê-lo viver já me parece ficção científica.  Um cenário menos catastrófico é a mulher decidir mais tarde que já não quer ter um filho (vá lá, um embrião) que está crio preservado. Paga parte do filho ao ex-marido? Sou só eu que acho isto mesquinho, senão surreal?

Questão bioquímica: as células não se desgastam na criopreservação, ao menos um pouco? Lamento a comparação, mas se comer comida pós congelada é mau porque as células da mesma se modificaram, o que acontecerá às células de um embrião congelado durante anos à espera de um útero onde possa desenvolver-se?  

Questão filosófica: o que significa, então, a idade? Quando começamos a existir? Acredito no direito pleno ao aborto. Mas um embrião crio preservado com nome próprio e data planeada para o ano X coloca-me certas questões novas. Os asiáticos, que dizem que os bebés nascem com um ano porque contam o tempo dentro da mãe, vão dar quantos anos à Miriam quando ela nascer? Cinco, porque vão contar com os anos do frigorífico? É culturalmente confuso.

Questões pessoais: isto será prática comum quando o meu filho for adulto? Eu serei, então, completamente desatualizada do mundo que me rodeia, porque o fosso entre as nossas gerações e vivências será enorme. Estarei eu já hoje a colocar questões absurdas e parvas, como a minha bisavó que um dia viu um Multibanco e não percebeu como podia a parede vomitar dinheiro?...


Friday, March 16, 2018

Ensino (mais ou menos) Superior


Muita tinta tem corrido desde que Passos Coelho anunciou a sua saída da política e a sua entrada na vida universitária. Não é para menos. Vamos fazer uma pequena analepse do CV académico do Sr. Ex Primeiro Ministro e (até há pouco) atual parlamentar: Licenciatura em Economia, pela Universidade Lusíada de Lisboa em 2001. Não constam outros graus académicos. Experiência docente no ensino superior: não consta. Atual situação: o Dr. Passos Coelho foi convidado a ensinar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, concretamente aulas de Economia no Mestrado e Doutoramento em Administração Pública. Existem convites de mais universidades. Igualmente se diz que o Dr. Passos Coelho estará na categoria de professor convidado (não podia deixar de ser) mas… professor convidado catedrático! Falamos, claro, de equiparação salarial. Espero que seja gralha.

Não tenho nada contra o Dr. Passos Coelho. Ou seja, tenho as mesmas reclamações que todos os portugueses têm. Mas, para além disso, que estendo a todos que se sentam na cadeira de Primeiro Ministro em momentos críticos, é-me irrelevante a sua existência. Não me é irrelevante esta situação, sendo eu docente do ensino superior.

A qualidade do Ensino Superior deve preocupar os portugueses. Qual a qualidade dos estabelecimentos? Que instituições têm legitimidade para lecionar o quê? Que qualidade apresenta o ensino à distância? Que cuidados devemos ter nas equivalências? De entre as muitas questões prementes que se colocam, uma das mais importantes é a qualidade do pessoal docente.  É esta que dita em boa parte a qualidade do ensino. Com a queda deste fator, muito se explica(ria) a tão falada “pouca cultura geral” de que certos profetas da desgraça gostam de acusar a geração mais jovem (e na qual nem sequer acredito).

De um modo geral, os professores que lecionam no Ensino Superior têm um percurso, enfim, uma carreira que, como outra qualquer, tem as suas marcas de exigência e experiência acumulada. Dedicaram a vida a dar aulas a esse grau de ensino, passaram por provas académicas, pesquisaram, escreveram, fizeram o necessário. Alguns não fizeram, é certo, tiveram oportunidades especiais - por isso existe a piada “não somos todos colegas.” No entanto, a maioria dos professores sabe o que é ser professor e sabe do que ensina.

Sempre que a um político lhe apetece sair da política (porque não terá mais cargos de relevo e despreza vegetar na Assembleia), não é raro pensar “vou para uma Universidade!” Tem prestígio social, convenhamos. Por uma espécie de dissonância cognitivo-social, todo o político tem equivalência “por experiência empírica e percurso profissional realizado” aos graus académicos que entender, recebe, enfim, aquilo que os restantes de nós levaram anos a preparar e muitas pesquisas a fazer. Já para não falar dos que, mais prezados, dizem que “estão a fazer tese”. Lá andam durante dezenas de anos, porque, pasme-se!, a política oferece dilatação de tempo infinita a quem quiser fazer a tal tese, coisa à qual os académicos não têm direito, vendo-se na obrigação de deixar a universidade se não entregam o trabalho no dia previsto.

Não conheço outra carreira que ofereça tais benesses a quem nela se quiser infiltrar. Se eu, amanhã, quiser ser padeira, com muita razão me dirão que eu não tenho experiência nem saber. Mas basta um político querer ser académico que o recebem de braços abertos e passa à frente de todos os que lá estão a picar pedra há anos.

A culpa não é de Passos Coelho. Não é o primeiro e não será o último. A culpa é das Universidades que (des)nivelam o ensino e nos reduzem a uma condição que, por boa educação, não defino aqui.


Thursday, March 1, 2018

O Direito do Anzol É Ser Torto



Confesso: nunca tive paciência para os livros, artigos e filosofia dessa onda neo-psico-positivista de pacote. É o género “Hey, tu aí!” que ostenta um sorriso Colgate e nos tenta convencer que sorrindo e gritando “Hey!” ficamos automaticamente felizes também. É a malta que acredita que não há pessoas negativas; somos todos positivos se acendermos umas velas perfumadas e massajarmos os pontos certos. É também aquela malta que acha que as pessoas positivas nunca têm pólo negativo, estão sempre num carrocel de gozo, prontas a almoçar (saudavelmente!), subir montanhas, colorir a vida e fazer prova no Instagram.  

Por causa da ideia de que temos todos de estar sempre 100% ativos e 100% positivos, as pessoas não aguentam o silêncio e a tranquilidade. Menos ainda se aguenta a ideia de sentir uma emoção negativa, qualquer que ela seja. “O que é que se passa? Estarei doente? Será que me vão levar ao psiquiatra e diagnosticar como anormal? Pelo sim, pelo não, o melhor é não dizer nada a ninguém.” E não dizem. Vão roendo aquilo, o mais disfarçadamente possível, no meio de muitos “ahahaha”, ditos o mais alto possível.

À conta disso, vendem-se centenas de livros denominados de auto-ajuda que ensinam as pessoas a serem felizes (agora sim, ahahaha!). Mas há aquelas raras pessoas que falam com os amigos. Esse método antigo (e pasme-se, sempre eficaz!) ainda se usa. Mas também há aqueles “amigos” que nos mandam logo ao médico. Desses, há que desconfiar e mandá-los ler um livro muito engraçado que se opõe à onda de auto-ajuda – chama-se “Stand Firm: Resist the Self Improvement Craze” de Svend Brinkmann, psicólogo dinamarquês, que se traduz mais ou menos assim “Mantem-te Firme: Resiste à Maluqueira do Auto-Aperfeiçoamento”.

Tens crises existenciais? Parabéns, és um tipo normal. A tua vida é difícil? Bem-vindo ao mundo. Não te achas especial? Ninguém é tão especial como a sua mãezinha lhe disse nem tão pouco especial como o seu patrão o julga. Aceita as tuas limitações e, ao mesmo tempo, vê bem a quantidade de coisas boas que te envolvem.

Não é normal não ter emoções negativas. É tão anormal como tê-las sempre.  De facto, seria irreal esperar que as pessoas não reagissem com emoções negativas quando confrontadas com acontecimentos muito negativos na vida. Lembro-me de ver uma entrevista do ator Keanu Reeves, após morrerem a sua namorada e a sua filha, a quem perguntaram se tinha ficado deprimido. Ele respondeu “As pessoas não “ficam” deprimidas. Reagem ao que lhes acontece.” De facto, assim é. Por essa razão, desconfio dos que nunca reagem: a insensibilidade só pode significar um trauma demasiado profundo para ser expresso ou então uma real incapacidade de sentir emoções. Esta última é a mais assustadora. Mas existe.

Sentimentos negativos fazem parte da roda. Têm de ser “abraçados” para ser ultrapassados, ou, pelo menos, para convivermos com eles. Há uma TedTalk interessante de Susan David, psicóloga de Harvard, que nos fala dessa coragem emocional. Enfrentar o que se sente, seja amor, tristeza ou raiva é um ato de coragem, nem sempre fácil, mas caminho único para o sossego interior.

Pensem também nesta citação de Mark Manson (com perdão do título do livro, que nunca li): “O desejo de ter experiências mais positivas é, em si mesmo, uma experiência negativa. Paradoxalmente, a aceitação de uma experiência negativa é, em si mesma, uma experiência positiva.” (The Subtle Art of Not Giving a F*ck)