... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, March 16, 2018

Ensino (mais ou menos) Superior


Muita tinta tem corrido desde que Passos Coelho anunciou a sua saída da política e a sua entrada na vida universitária. Não é para menos. Vamos fazer uma pequena analepse do CV académico do Sr. Ex Primeiro Ministro e (até há pouco) atual parlamentar: Licenciatura em Economia, pela Universidade Lusíada de Lisboa em 2001. Não constam outros graus académicos. Experiência docente no ensino superior: não consta. Atual situação: o Dr. Passos Coelho foi convidado a ensinar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, concretamente aulas de Economia no Mestrado e Doutoramento em Administração Pública. Existem convites de mais universidades. Igualmente se diz que o Dr. Passos Coelho estará na categoria de professor convidado (não podia deixar de ser) mas… professor convidado catedrático! Falamos, claro, de equiparação salarial. Espero que seja gralha.

Não tenho nada contra o Dr. Passos Coelho. Ou seja, tenho as mesmas reclamações que todos os portugueses têm. Mas, para além disso, que estendo a todos que se sentam na cadeira de Primeiro Ministro em momentos críticos, é-me irrelevante a sua existência. Não me é irrelevante esta situação, sendo eu docente do ensino superior.

A qualidade do Ensino Superior deve preocupar os portugueses. Qual a qualidade dos estabelecimentos? Que instituições têm legitimidade para lecionar o quê? Que qualidade apresenta o ensino à distância? Que cuidados devemos ter nas equivalências? De entre as muitas questões prementes que se colocam, uma das mais importantes é a qualidade do pessoal docente.  É esta que dita em boa parte a qualidade do ensino. Com a queda deste fator, muito se explica(ria) a tão falada “pouca cultura geral” de que certos profetas da desgraça gostam de acusar a geração mais jovem (e na qual nem sequer acredito).

De um modo geral, os professores que lecionam no Ensino Superior têm um percurso, enfim, uma carreira que, como outra qualquer, tem as suas marcas de exigência e experiência acumulada. Dedicaram a vida a dar aulas a esse grau de ensino, passaram por provas académicas, pesquisaram, escreveram, fizeram o necessário. Alguns não fizeram, é certo, tiveram oportunidades especiais - por isso existe a piada “não somos todos colegas.” No entanto, a maioria dos professores sabe o que é ser professor e sabe do que ensina.

Sempre que a um político lhe apetece sair da política (porque não terá mais cargos de relevo e despreza vegetar na Assembleia), não é raro pensar “vou para uma Universidade!” Tem prestígio social, convenhamos. Por uma espécie de dissonância cognitivo-social, todo o político tem equivalência “por experiência empírica e percurso profissional realizado” aos graus académicos que entender, recebe, enfim, aquilo que os restantes de nós levaram anos a preparar e muitas pesquisas a fazer. Já para não falar dos que, mais prezados, dizem que “estão a fazer tese”. Lá andam durante dezenas de anos, porque, pasme-se!, a política oferece dilatação de tempo infinita a quem quiser fazer a tal tese, coisa à qual os académicos não têm direito, vendo-se na obrigação de deixar a universidade se não entregam o trabalho no dia previsto.

Não conheço outra carreira que ofereça tais benesses a quem nela se quiser infiltrar. Se eu, amanhã, quiser ser padeira, com muita razão me dirão que eu não tenho experiência nem saber. Mas basta um político querer ser académico que o recebem de braços abertos e passa à frente de todos os que lá estão a picar pedra há anos.

A culpa não é de Passos Coelho. Não é o primeiro e não será o último. A culpa é das Universidades que (des)nivelam o ensino e nos reduzem a uma condição que, por boa educação, não defino aqui.