Muita tinta tem corrido desde que
Passos Coelho anunciou a sua saída da política e a sua entrada na vida
universitária. Não é para menos. Vamos fazer uma pequena analepse do CV
académico do Sr. Ex Primeiro Ministro e (até há pouco) atual parlamentar: Licenciatura
em Economia, pela Universidade Lusíada de Lisboa em 2001. Não constam outros
graus académicos. Experiência docente no ensino superior: não consta. Atual
situação: o Dr. Passos Coelho foi convidado a ensinar no Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, concretamente aulas de
Economia no Mestrado e Doutoramento em Administração Pública. Existem convites
de mais universidades. Igualmente se diz que o Dr. Passos Coelho estará na
categoria de professor convidado (não podia deixar de ser) mas… professor
convidado catedrático! Falamos, claro, de equiparação salarial. Espero que seja
gralha.
Não tenho nada contra o Dr.
Passos Coelho. Ou seja, tenho as mesmas reclamações que todos os portugueses
têm. Mas, para além disso, que estendo a todos que se sentam na cadeira de
Primeiro Ministro em momentos críticos, é-me irrelevante a sua existência. Não
me é irrelevante esta situação, sendo eu docente do ensino superior.
A qualidade do Ensino Superior
deve preocupar os portugueses. Qual a qualidade dos estabelecimentos? Que
instituições têm legitimidade para lecionar o quê? Que qualidade apresenta o
ensino à distância? Que cuidados devemos ter nas equivalências? De entre as muitas
questões prementes que se colocam, uma das mais importantes é a qualidade do
pessoal docente. É esta que dita em boa
parte a qualidade do ensino. Com a queda deste fator, muito se explica(ria) a
tão falada “pouca cultura geral” de que certos profetas da desgraça gostam de
acusar a geração mais jovem (e na qual nem sequer acredito).
De um modo geral, os professores
que lecionam no Ensino Superior têm um percurso, enfim, uma carreira que, como
outra qualquer, tem as suas marcas de exigência e experiência acumulada.
Dedicaram a vida a dar aulas a esse grau de ensino, passaram por provas
académicas, pesquisaram, escreveram, fizeram o necessário. Alguns não fizeram,
é certo, tiveram oportunidades especiais - por isso existe a piada “não somos
todos colegas.” No entanto, a maioria dos professores sabe o que é ser
professor e sabe do que ensina.
Sempre que a um político lhe
apetece sair da política (porque não terá mais cargos de relevo e despreza
vegetar na Assembleia), não é raro pensar “vou para uma Universidade!” Tem
prestígio social, convenhamos. Por uma espécie de dissonância cognitivo-social,
todo o político tem equivalência “por experiência empírica e percurso
profissional realizado” aos graus académicos que entender, recebe, enfim,
aquilo que os restantes de nós levaram anos a preparar e muitas pesquisas a
fazer. Já para não falar dos que, mais prezados, dizem que “estão a fazer
tese”. Lá andam durante dezenas de anos, porque, pasme-se!, a política oferece
dilatação de tempo infinita a quem quiser fazer a tal tese, coisa à qual os
académicos não têm direito, vendo-se na obrigação de deixar a universidade se
não entregam o trabalho no dia previsto.
Não conheço outra carreira que
ofereça tais benesses a quem nela se quiser infiltrar. Se eu, amanhã, quiser
ser padeira, com muita razão me dirão que eu não tenho experiência nem saber.
Mas basta um político querer ser académico que o recebem de braços abertos e
passa à frente de todos os que lá estão a picar pedra há anos.
A culpa não é de Passos Coelho. Não
é o primeiro e não será o último. A culpa é das Universidades que (des)nivelam
o ensino e nos reduzem a uma condição que, por boa educação, não defino aqui.