Há semanas, estava com um grupo
de pessoas por ocasião do meu aniversário e surgiu a questão do ser-se já velho
ou ainda novo para fazer algo pela primeira vez. Uma das mulheres com 40 anos
estava grávida do primeiro filho, razão pela qual outra lhe perguntou se ela se
sentia confortável com isso. “Ainda terei mais uma!” respondeu a grávida. Acrescentou:
“Se tudo correr bem neste parto, terei também uma menina daqui a 3 anos.” Eu
ri-me: “Mas que boa Matemática! Com certeza do sexo do bebé e tudo!” Ela
respondeu, muito natural: “Nós optámos por fertilização in vitro e congelamento posterior do embrião. Por isso, sei que terei
mais uma menina e sei quando a vou ter. Está congelada. Vou esperar 3 anos até
a colocar cá dentro… Já escolhemos o nome, é Miriam!”
O meu filho (de 9 anos e quase
meio) perguntou: “O que é isso de congelar os bebés até os querermos?” Expliquei-lhe.
“É preciso ter cuidado a abrir esse frigorífico” disse ele, com muita
seriedade, mas a senhora grávida achou uma “piada muito gira!” e imediatamente o
informou que iam ficar a dever-lhe imenso dinheiro se partissem o vitro (o que, novamente, me leva à discussão
da ideia de que muita gente tem de que filho equivale a propriedade, mas isso é
outro assunto).
Este foi o primeiro momento da
vida em que me senti ultrapassada. Ou melhor: estou derrotada pela
atualidade. Convém dizer que não estou
em Portugal e não sei se esta técnica de congelamento de embriões durante anos
se pratica em todos os países. Claro que conheço quem tenha tido filhos por
fertilização assistida, método nobre da ciência ao serviço de quem deseja ter
filhos e não consegue. Mas a criopreservação de embriões como algo acessível a
toda a população era desconhecida para mim. Ocorrem-me, de imediato, várias
questões discutíveis, nas quais nunca tinha pensado e que gostava de esclarecer
com quem percebesse do assunto.
Questões práticas: os embriões,
frutos deste casal, são congelados para posterior uso daqui a 3, 5 ou 14 anos;
entretanto, se a mãe morrer (é irrelevante o pai, porque ele não vai ser
necessário para gravidez e parto), o que acontece? Coloca-se o embrião numa mãe
de empréstimo? É possível, em certos países, fazê-lo (barrigas de aluguer são
legais em 5 países apenas - felizmente, porque é uma brutalidade). Destrói-se o
embrião? Imagino que não será possível, se o pai afirmar que quer o embrião, mas
como vai ele fazê-lo viver já me parece ficção científica. Um cenário menos catastrófico é a mulher
decidir mais tarde que já não quer ter um filho (vá lá, um embrião) que está crio
preservado. Paga parte do filho ao ex-marido? Sou só eu que acho isto
mesquinho, senão surreal?
Questão bioquímica: as células
não se desgastam na criopreservação, ao menos um pouco? Lamento a comparação,
mas se comer comida pós congelada é mau porque as células da mesma se
modificaram, o que acontecerá às células de um embrião congelado durante anos à
espera de um útero onde possa desenvolver-se?
Questão filosófica: o que
significa, então, a idade? Quando começamos a existir? Acredito no direito
pleno ao aborto. Mas um embrião crio preservado com nome próprio e data planeada
para o ano X coloca-me certas questões novas. Os asiáticos, que dizem que os
bebés nascem com um ano porque contam o tempo dentro da mãe, vão dar quantos
anos à Miriam quando ela nascer? Cinco, porque vão contar com os anos do
frigorífico? É culturalmente confuso.
Questões pessoais: isto será prática
comum quando o meu filho for adulto? Eu serei, então, completamente
desatualizada do mundo que me rodeia, porque o fosso entre as nossas gerações e
vivências será enorme. Estarei eu já hoje a colocar questões absurdas e parvas,
como a minha bisavó que um dia viu um Multibanco e não percebeu como podia a
parede vomitar dinheiro?...