Durante alguns meses, tive de combinar
uma conferência com colegas com os quais só me correspondi por mail. Visto que
o endereço da universidade não contempla o primeiro nome e a nossa assinatura
formal tão pouco, o contacto realizou-se sempre nestes termos. Ao fim de vários
mails, o meu interlocutor falou-me do “dia livre” e sugeriu que todos dessemos
um passeio familiar, acompanhados das nossas mulheres e filhos. Respondi que
era uma boa ideia, mas sendo eu heterossexual, restava-me levar o meu marido e
filho. Acrescentei um sinal de “smile”. Desfazendo-se em desculpas, ele
respondeu que jamais tinha pensado estar a falar com uma mulher, dado que a
minha forma de escrever era “tão lógica, tão direta, tão pragmática”.
Claro que estamos a falar de
missivas de trabalho, não de escrita ficcional (assim espero, embora haja casos
que roçam o fantasioso, mas não vamos por aí). Seria inusitado se eu escrevesse
de forma barroca, gótica, maneirista, simbolista ou romântica. Ainda assim, a
situação coloca-me o velho dilema, tão discutido, da escrita feminina versus a
escrita masculina.
Pessoalmente, não sou a favor da
distinção. Certa vez, assisti a uma
palestra de um crítico (por respeito, não digo quem) em que ele defendia que
certos géneros literários eram exclusivamente bem escritos no feminino e outros
no masculino. Citou o Realismo Mágico sul americano de Isabel Allende e a
Fantasia Contemporânea da autora de Harry Potter, J. K. Rowling, como géneros
femininos. Mas também podia ter citado Gabriel Garcia Márquez para o primeiro
caso e Tolkien e o seu Senhor dos Anéis para o segundo, o que destrói a sua
teoria. Também citou o género criminal de Conan Doyle e o seu Sherlock Holmes
como género masculino. Então e Agatha Christie?
Existe, claramente, um discurso
masculino e um discurso feminino quando se escreve. Mas estes discursos podem
ser assumidos por autores de diferentes géneros desde que sejam autores
competentes para o fazer. Se “o poeta é um fingidor” então conseguirá fingir o
que não é… mas para isso tem de ser exímio no que faz, o que não estará ao
alcance de todos.
Outra questão prende-se com a
experiência, se formos a favor da teoria que tudo aquilo sobre o que se escreve
é previamente determinado (nem que seja um pouco) por experiências vividas de
onde se retira um magma essencial que moldará a ficção posterior. Determinados
assuntos são exclusivos da experiência feminina, como sejam a menstruação, a
gravidez, o parto, o aleitamento, a menopausa, eventuais abortos e uma descarga
de hormonas que os ginecologistas explicam bem. No entanto, não basta ser
mulher para fazer literatura da experiência de o ser…
Concordo, sem sombra de dúvida,
com uma identidade feminina diferente da masculina. Mas não com uma escrita feminina
diferente da masculina. Criar divisões na Arte é menosprezá-la. A Literatura
não precisa de género sexual para se definir; precisa de se definir em boa ou
má. Se assim não for, como continuaremos a dizer que a Literatura que mais nos
toca trata de experiências universais que dizem respeito a toda a condição
humana?