... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, August 31, 2018

O Bom Colonizador



Um colega inglês dizia-me, orgulhoso do antigo império britânico e da História da Coroa, que nunca um povo colonizador fora tão benevolente e, ao mesmo tempo, oferecera tanto aos povos colonizados por ele como os ingleses. Tem piada, retorqui eu, isso é exatamente o mesmo pensamento e discurso dos portugueses.  

Minha querida (“my dear” soa menos impositivo, mas estou a traduzir), vou tomar como exemplo a Índia, dizia ele. A Índia era um compósito de tribos, de dialetos, de leis até chegarmos. Foi a bandeira britânica que os unificou e os fez o que hoje são: um país. Daquela mais de meia centena de dialetos que possuíam, embora inegavelmente fascinantes, o certo é que não se entendiam e apenas a língua inglesa os fez dar as mãos, língua essa que hoje permanece como uma das línguas oficiais da Índia. Mas como se isso não bastasse, os Britânicos, em apenas dois séculos, dotaram a Índia de fabulosos avanços, seja no campo dos transportes como os caminhos de ferro, seja no campo da política como a Democracia. Calou-se, saboreando a sua bebida, com um ar de triunfo íntimo, que não necessita de demonstração exterior.

Portugal também acredita que foi o melhor de todos os colonizadores, disse eu (que nunca sofri de patriotismos cegos). Os livros de História proclamam-no e passam esse mito às novas gerações, que o vão aprendendo na escola. Julgo até que era uma teoria do Estado Novo, mas esta – tal como muitas outras coisas da Ditadura – é algo que o meu país gosta de manter, sob nova máscara. Mantemos o que nos dá jeito. A escravidão dos africanos levados para o Brasil aparece como uma coisa necessária para o crescimento da economia – não tivemos outra opção. Diz-se que a miscigenação das populações foi resultado da grande capacidade portuguesa para a aculturação, não resultou de violações. A religião nunca foi imposta à força, mas sim um presente da nossa cultura aos outros, que eram bravios e filhos de um deus menor. Não seguimos mar fora motivados por sede de riqueza mas para expandir a língua e a fé. Continua a falar-se em lusotropicalismo e em racismo invisível em Portugal… E até há uma piada famosa do escritor Fernando Dacosta que diz que o homem português tratava o escravo da mesma forma como tratava a mulher e o filho: batia em todos! …. Portanto, o senhor português era muito justo e igualitário.

 O melhor é falar com um indiano para ver se ele tem do Imperialismo Britânico uma opinião tão favorável como a tua… sugeri. É mais que certo que os povos colonizados por portugueses não acreditam na visão maravilhosa do bom colonizador português.

Pelo menos vamos concordar, disse o meu colega inglês já com certo ar plúmbeo, que as nossas nações não foram estúpidas como os belgas que dividiram as tribos da África Central, resultando nas carnificinas que duram até hoje, ou violentas e incultas como os espanhóis que dizimaram as grandes e sábias nações da América do Sul.

 O que têm os espanhóis? perguntou uma vozinha ciciada que acabara de chegar, com um certo sotaque de Barcelona. A discussão não acabou por aqui… E nem cheguei a abordar o polémico Museu dos Descobrimentos que agora, para agradar, mudou de nome e já calou as hostes.

Friday, August 17, 2018

Decisão salomónica



Deparei-me com um vídeo na net onde um alemão corta a meio os seus pertences na sequência de um divórcio. O homem tomou em sentido literal as palavras do juiz que dizia que deviam ser divididos a meio os haveres do casal. Vai daí, muniu-se de uma serra e cortou tudo milimetricamente: cama, televisor, cadeiras, telefone portátil, capacete de moto, ursinho de peluche, enfim os objetos variam no tamanho e intimidade… há, realmente, de tudo (o juiz disse tudo e ele é obediente, como os carniceiros nazis). Inclusivé o carro. Ver para crer. Depois pôs à venda no E-Bay as suas metades – que até atingiram preços bem elevados, porque há malucos para cortar e malucos para comprar.

Este vídeo é bem conhecido e apareceu em várias cadeias de televisão, incluindo Portugal, em 2015. Algumas partes do vídeo original estavam cortadas, nomeadamente quando ele dedica o vídeo à ex-mulher de 12 anos e diz (traduzo do alemão): “mereceste realmente a metade… felicidades ao meu sucessor” antes da medição e cortadeira elétrica.

O que me surpreendeu foram as reações ao vídeo. As pessoas acham hilariante. De facto, em Portugal, a pivot da TVI achou tão engraçado que nem conseguia parar de rir enquanto dava a notícia, desculpando-se porque aquilo era muito divertido.

Fiz, então, uma experiência e mostrei o vídeo a pessoas divorciadas de gente descompensada (eufemismo para gente pouco saudável): ninguém achou piada. Todos identificaram aquele sadismo persecutório das frases do vídeo e o total nonsense aterrorizante das ações. Uma das pessoas era uma mulher cujo marido tinha designado certos quartos em casa onde ela e o filho não podiam entrar; eram quartos só dele. Se entrassem levavam um choque elétrico, com “taser”. Já não tem assim tanta piada, pois não?

Estou a ver as pessoas que leem isto a dizer “pá, isso é gente doida”. A quantidade de doidos que conhecemos vai muito para além do que supomos. Aliás, se estas pessoas não fossem excelentes atores e carismáticos seres sociais, não se teriam casado…

Voltando ao vídeo, viemos a saber que, afinal, o vídeo não passou de uma farsa. A revista da Ordem dos Advogados alemã veio a confessar que foram os próprios que fizeram a filmagem como chamada de atenção, por acreditarem que os divórcios conduzem a situações de disputa que acabam muitas vezes de forma surreal como essa, na ânsia de dividir tudo 50/50. Aconselhavam, por isso, os casais a fazerem acordos pré-nupciais.

Concordo. Mas acho importante referir outro aspeto. Há casais que se divorciam nas calmas e esses nunca vão a Tribunal. Quem vai é porque tem um problema. As pessoas irracionais apoiam-se nas decisões salomónicas ou estapafúrdias para exercerem crueldade ou loucura. Jamais um juiz é responsabilizado pelas crianças que sofrem ou até morrem até porque um juiz não pensa que um irracional vai usar a decisão dele para fazer o que lhe apetece. Mas se o irracional tiver filhos, a coisa complica-se. Sobretudo se for mesmo descompensado… e também tiver uma serra, um taser ou outro daqueles brinquedos que eles têm.

Friday, August 3, 2018

O Imigrante Saudável



Em Julho passado, a revista científica Psychiatry Research publicou um estudo de Salas-Wright, Vaughn e outros da Universidade de Boston sobre os imigrantes e as doenças mentais nos E.U.A. que vem corroborar uma tese já existente chamada “healthy migrant”. Em síntese, esta tese sustem que existe um paradoxo na imigração: apesar de ser este um fenómeno que usualmente acarreta muito stress para o indivíduo / família e onde co-existem diversas adversidades pessoais, sociais e fenómenos de aculturação de dificuldade menor ou maior consoante os envolvidos, o certo é que os imigrantes sofrem de menores problemas comportamentais e menos doenças do foro mental quando estatisticamente comparados com a população nativa.

Esta tese não é nova. Existe, pelo menos, desde o ano 2000 (MacDonald, Universidade de New Brunswick), mas não é muito publicitada, sobretudo porque nos últimos anos a ideia de quase todo o mundo é fechar fronteiras e, como em todos os estudos, promovem-se apenas os que dão jeito à política atual.  

Voltemos à questão inicial. Como explicar esta elevada quota de imigrantes mentalmente saudáveis, mau grado as suas vidas serem mais complexas do que as dos nativos? Segundo os estudos, há mais do que uma razão. A primeira é a seleção inicial no país de origem, ou seja, só decide imigrar para longe quem tem coragem para tal. Muitos tinham as mesmas dificuldades, estavam na mesma situação, mas… preferiram não saltar. Só vai quem já tem um esquema mental de força e pragmatismo para enfrentar o novo e o risco, com o desconforto que isso exige. Desta seleção positiva inicial resulta que as famílias de imigrantes / os imigrantes reportam um baixo ou inexistente historial de problemas psíquicos. A segunda razão tem a ver com a sua vida pós-entrada no país de acolhimento. De forma geral, a situação pessoal e profissional do imigrante é mais dura do que a do nativo. Porém, a sua motivação e resiliência tem igualmente níveis muito superiores, o que faz com que uma situação causadora de ansiedade a um nativo não seja mais do que um encolher de ombros para o imigrante trabalhador.

Os estudos foram feitos em adultos e adolescentes (desde os 12 anos), demonstrando que existem menos doenças psiquiátricas, menos uso de álcool e de drogas e menos nível de criminalidade entre imigrantes do que entre nativos. Apontam, igualmente, para um estilo de vida mais saudável. Quanto às crianças, era esperado o que dizem: as crianças que imigram não demoram muito tempo para acolherem um país novo desde que imigrem com a sua figura de referência. De facto, dá-se o caso de se tornarem mais culturalmente parecidas com o país de acolhimento do que com a sua nacionalidade.

A nacionalidade do imigrante não era fator de diferenciação, pois foram analisados imigrantes da América Latina e do Sul, da Ásia, da África e da Europa. Apenas uma questão fica por saldar: os estudos não diferenciaram entre imigrantes voluntários e involuntários (i.e. refugiados e asilados), embora admitam que os últimos tenham uma (muito) elevada concentração de Stress Pós-Traumático, Depressão e Ansiedade que os primeiros, obviamente, não apresentam.

Dito isto, aquela conversa do imigrante criminoso, mal inserido e coitadinho… é tese que já foi.