Um colega inglês dizia-me, orgulhoso do antigo império
britânico e da História da Coroa, que nunca um povo colonizador fora tão
benevolente e, ao mesmo tempo, oferecera tanto aos povos colonizados por ele
como os ingleses. Tem piada, retorqui eu, isso é exatamente o mesmo pensamento
e discurso dos portugueses.
Minha querida (“my dear” soa menos impositivo, mas estou
a traduzir), vou tomar como exemplo a Índia, dizia ele. A Índia era um
compósito de tribos, de dialetos, de leis até chegarmos. Foi a bandeira
britânica que os unificou e os fez o que hoje são: um país. Daquela mais de
meia centena de dialetos que possuíam, embora inegavelmente fascinantes, o
certo é que não se entendiam e apenas a língua inglesa os fez dar as mãos,
língua essa que hoje permanece como uma das línguas oficiais da Índia. Mas como
se isso não bastasse, os Britânicos, em apenas dois séculos, dotaram a Índia de
fabulosos avanços, seja no campo dos transportes como os caminhos de ferro,
seja no campo da política como a Democracia. Calou-se, saboreando a sua bebida,
com um ar de triunfo íntimo, que não necessita de demonstração exterior.
Portugal também acredita que foi o melhor de todos os
colonizadores, disse eu (que nunca sofri de patriotismos cegos). Os livros de
História proclamam-no e passam esse mito às novas gerações, que o vão
aprendendo na escola. Julgo até que era uma teoria do Estado Novo, mas esta –
tal como muitas outras coisas da Ditadura – é algo que o meu país gosta de
manter, sob nova máscara. Mantemos o que nos dá jeito. A escravidão dos
africanos levados para o Brasil aparece como uma coisa necessária para o
crescimento da economia – não tivemos outra opção. Diz-se que a miscigenação
das populações foi resultado da grande capacidade portuguesa para a
aculturação, não resultou de violações. A religião nunca foi imposta à força,
mas sim um presente da nossa cultura aos outros, que eram bravios e filhos de
um deus menor. Não seguimos mar fora motivados por sede de riqueza mas para
expandir a língua e a fé. Continua a falar-se em lusotropicalismo e em racismo
invisível em Portugal… E até há uma piada famosa do escritor Fernando Dacosta
que diz que o homem português tratava o escravo da mesma forma como tratava a
mulher e o filho: batia em todos! …. Portanto, o senhor português era muito
justo e igualitário.
O melhor é falar
com um indiano para ver se ele tem do Imperialismo Britânico uma opinião tão
favorável como a tua… sugeri. É mais que certo que os povos colonizados por
portugueses não acreditam na visão maravilhosa do bom colonizador português.
Pelo menos vamos concordar, disse o meu colega inglês já
com certo ar plúmbeo, que as nossas nações não foram estúpidas como os belgas
que dividiram as tribos da África Central, resultando nas carnificinas que
duram até hoje, ou violentas e incultas como os espanhóis que dizimaram as
grandes e sábias nações da América do Sul.
O que têm os
espanhóis? perguntou uma vozinha ciciada que acabara de chegar, com um certo
sotaque de Barcelona. A discussão não acabou por aqui… E nem cheguei a abordar
o polémico Museu dos Descobrimentos que agora, para agradar, mudou de nome e já
calou as hostes.