Quantas vezes, ao discutir com alguém ou
ao apresentar uma ideia, verificamos que quanto mais evidências, factos,
documentos, e demais bagagem lógica de suporte, apresentamos… menos a pessoa se
convence; pelo contrário, mais se agarra à sua posição, ainda que praticamente
nada de racional a suporte. Quando alguém acredita naquilo que somente confirma
as suas esperanças e preconceitos, ao invés de usar as suas capacidades
cognitivas, essa pessoa está a seguir um raciocínio motivado.
O processo é automático por parte de
quem pretende atingir uma determinada conclusão a todo o custo e, como tal,
dará o máximo valor a qualquer pequena coisa que lhe permita corroborar essa
conclusão, ignorando e desvitalizando qualquer facto (ainda que muito mais
importante) que contrarie essa mesma ideia. O indivíduo que se agarra ao
raciocínio motivado pode mesmo inventar exemplos mirabolantes para conseguir
justificar o que pretende face ao que prova a sua negação. Por exemplo: temos
como cientificamente provado que o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV)
causa SIDA; porém, há personalidades conhecidas que defendem absolutamente o
contrário e, nessa sua senda de raciocínio motivado, dão conferências, escrevem
livros, e continuam a sua carreira, embora digam frases como “Nunca foi provada
a existência do HIV”; “SIDA é uma construção socio-cultural e não uma doença”;
“O HIV não se transmite sexualmente, nem tão pouco causa SIDA.” Correntes de
pensamento como esta podem ser encontradas, entre outros, em Henry Bauer, ex
professor de química e escritor. Parece anedota, mas não é.
Claro que isto nos levaria a outro
motivo de crónica que é a abundância e variedade de estudos (pseudo)
científicos que demonstram uma coisa e o seu contrário. Qualquer que seja, hoje
em dia, a nossa opinião, podemos “googlar” o tema e obter um “estudo” que a
confirme… e outro que confirme o oposto. A ciência, atualmente sempre financiada
por entidades privadas ou governamentais, tornou-se um smorgasbord: há de tudo,
consoante o tal raciocínio motivado do financiador do “estudo”. Mas isso é
outro tema, sobre o qual agora não me debruçarei.
O raciocínio motivado tem vindo a ser reconhecido,
pelo menos, desde os anos 50. As pessoas que têm tendência a segui-lo são, sem
surpresa, geridas pela emoção e não pela lógica e sentem-se facilmente
ameaçadas por uma opinião diversa, que entendem como um ataque pessoal. Não
possuem ceticismo científico, ou seja, não são capazes de observar uma questão
sob ângulos diversos. Em vez de avaliação das fontes, espírito crítico,
questionamento de situações, colocação dos factos em perspetiva, são
direcionadas apenas por uma busca seletiva que lhes permita alcançar a meta da
sua conclusão previamente estabelecida.
A este propósito, estudos (haha!) muito
interessantes foram feitos, nomeadamente por Z. Kunda (Princeton University,
1990), Ditto e Lopez (Kent State University, 1992- 2004), Balcetis e Dunning
(Cornell University, 2006). A propósito, nunca confiem numa mania que anda
muito na moda, que é dizer “vários estudos” e depois não indicar nem um para
confirmação… de modo que até pode ser a Tia Ermelinda a ter afirmado (bem mal
andamos mas ainda não chegamos a esse ponto).
Como contrariar o raciocínio motivado?
Nos outros, impossível. Onde zurra um, zurram logo mais, e com tais palavras
que ninguém entende (sintomático de quem “quer parecer bem” mas não tem
fundamento). Em nós, há que estar atentos: promover o debate de nós mesmos
connosco para perceber se não estamos a levar uma ideia longe demais só porque
sim, já distante do razoável e do lógico.