... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, March 15, 2019

Raciocínio Motivado


Quantas vezes, ao discutir com alguém ou ao apresentar uma ideia, verificamos que quanto mais evidências, factos, documentos, e demais bagagem lógica de suporte, apresentamos… menos a pessoa se convence; pelo contrário, mais se agarra à sua posição, ainda que praticamente nada de racional a suporte. Quando alguém acredita naquilo que somente confirma as suas esperanças e preconceitos, ao invés de usar as suas capacidades cognitivas, essa pessoa está a seguir um raciocínio motivado.

O processo é automático por parte de quem pretende atingir uma determinada conclusão a todo o custo e, como tal, dará o máximo valor a qualquer pequena coisa que lhe permita corroborar essa conclusão, ignorando e desvitalizando qualquer facto (ainda que muito mais importante) que contrarie essa mesma ideia. O indivíduo que se agarra ao raciocínio motivado pode mesmo inventar exemplos mirabolantes para conseguir justificar o que pretende face ao que prova a sua negação. Por exemplo: temos como cientificamente provado que o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) causa SIDA; porém, há personalidades conhecidas que defendem absolutamente o contrário e, nessa sua senda de raciocínio motivado, dão conferências, escrevem livros, e continuam a sua carreira, embora digam frases como “Nunca foi provada a existência do HIV”; “SIDA é uma construção socio-cultural e não uma doença”; “O HIV não se transmite sexualmente, nem tão pouco causa SIDA.” Correntes de pensamento como esta podem ser encontradas, entre outros, em Henry Bauer, ex professor de química e escritor. Parece anedota, mas não é.

Claro que isto nos levaria a outro motivo de crónica que é a abundância e variedade de estudos (pseudo) científicos que demonstram uma coisa e o seu contrário. Qualquer que seja, hoje em dia, a nossa opinião, podemos “googlar” o tema e obter um “estudo” que a confirme… e outro que confirme o oposto. A ciência, atualmente sempre financiada por entidades privadas ou governamentais, tornou-se um smorgasbord: há de tudo, consoante o tal raciocínio motivado do financiador do “estudo”. Mas isso é outro tema, sobre o qual agora não me debruçarei.

O raciocínio motivado tem vindo a ser reconhecido, pelo menos, desde os anos 50. As pessoas que têm tendência a segui-lo são, sem surpresa, geridas pela emoção e não pela lógica e sentem-se facilmente ameaçadas por uma opinião diversa, que entendem como um ataque pessoal. Não possuem ceticismo científico, ou seja, não são capazes de observar uma questão sob ângulos diversos. Em vez de avaliação das fontes, espírito crítico, questionamento de situações, colocação dos factos em perspetiva, são direcionadas apenas por uma busca seletiva que lhes permita alcançar a meta da sua conclusão previamente estabelecida.

A este propósito, estudos (haha!) muito interessantes foram feitos, nomeadamente por Z. Kunda (Princeton University, 1990), Ditto e Lopez (Kent State University, 1992- 2004), Balcetis e Dunning (Cornell University, 2006). A propósito, nunca confiem numa mania que anda muito na moda, que é dizer “vários estudos” e depois não indicar nem um para confirmação… de modo que até pode ser a Tia Ermelinda a ter afirmado (bem mal andamos mas ainda não chegamos a esse ponto).

Como contrariar o raciocínio motivado? Nos outros, impossível. Onde zurra um, zurram logo mais, e com tais palavras que ninguém entende (sintomático de quem “quer parecer bem” mas não tem fundamento). Em nós, há que estar atentos: promover o debate de nós mesmos connosco para perceber se não estamos a levar uma ideia longe demais só porque sim, já distante do razoável e do lógico.