Foto: Ziyi Zhang em Memoirs of a Geisha (2005)
Não era novidade para mim que o homem ocidental tinha um fraco pela mulher
asiática, mesmo antes de eu morar no Oriente. Quando morei na América do Norte,
verifiquei que as mulheres da então chamada comunidade asiática eram sempre
cortejadas de forma incisiva pelos ocidentais. Havia e há termos em calão
usados para referir esta realidade, desde “Yellow
fever” (não me refiro à doença tropical) a “Madame
Butterfly” (não a ópera). Eu própria fui abordada fazendo referência
ao facto de, supostamente, “ter genética japonesa” – uma ideia que ocorre a
muitos desde a minha infância, não sei se pelo rasgado dos olhos se pela minha reserva
e calma, traduzidas numa distância que alguns interpretam mal.
Este encantamento do homem ocidental pela mulher oriental não diminuiu com
o tempo, o que seria de esperar numa época em que o mundo já pouca novidade
oferece, pois tudo se torna conhecido à distância de um clique. Com tamanha
proximidade geográfica e irrelevância temporal, já não há desculpas para
invocar exotismo e mistério, ideias geralmente associadas com o desejar
absoluto de outra etnia, tão absoluto que se transforma em fetiche. O certo é
que o desejo continua e univocamente por parte de um dos sexos, ou seja, são
apenas os homens do Ocidente que fantasiam com as mulheres do Oriente, não se
verificando o mesmo fenómeno entre mulheres ocidentais e homens orientais.
Uma breve passagem pelo mundo internauta confirma esta realidade. Há
centenas de sites
onde mulheres asiáticas estão disponíveis para homens ocidentais, nalguns divididas
por nacionalidade e tipo de relação. Não se pense que são procuradas apenas
para encontros fortuitos; muito pelo contrário. De forma geral, a mulher
asiática é tida como a esposa ideal pelo homem ocidental, como aliás se
confirma pelo número de imigrantes ocidentais que se fixa na Ásia à procura de
dinheiro e de casamento. Dos documentários feitos sobre o assunto, veja-se, por
exemplo “Seeking
Asian Female” (2012) da chinesa Debbie Lum. De volta aos sites construídos
para que homens ocidentais encontrem mulheres orientais, é fácil verificar que
não estão vocacionados para “one night stands” nem “casual dating”, mas sim
para relações de compromisso, como, por exemplo, este.
O que está por detrás deste “Asian fetish”? Não
saberei explicar o que leva um homem a sentir-se invulgarmente atraído diante de
uma mulher (aparentemente) mais frágil do que a maioria das mulheres, sossegada,
serena e leve, que parece necessitar de muito pouco para ser feliz e ostenta um
ar seráfico e imperturbável. Este é o retrato imaginado da Asiática do Este /
Sudeste, aquela que preenche a fantasia do Ocidental. Importa clarificar que a
Ásia é um enorme e muito diversificado continente, injustamente visto como
“todo igual” aos olhos e pensamento do Oeste. Esta imagem de mulher tão
idealizada é um ideal restrito, sul coreano e japonês, que não se encontra de
todo noutros países asiáticos, onde as mulheres são mais ruidosas, mais
incisivas e ocupam mais espaço físico. Como dizia uma conhecida blogger “yes,
there are fat Asian women!” (a despropósito, senhoras com pouca auto-estima ou
problemas de imagem não devem viajar para a Ásia, caso entendam as línguas
faladas, porque comentários completamente demolidores sobre o aspeto são
perfeitamente comuns e directos)
É muito claro que os homens se sentem mais masculinos diante destas
personalidades imaginadas que percecionam como sendo “a mulher ideal”, dadas as
suas qualidades de (aparente) submissão, docilidade, devoção à família, desejo
de agradar tanto na vida diária como na sexualidade. São, sem dúvida, características
que despertam o papel tradicional masculino, sobretudo nesta sociedade global
onde o homem antiquado anda à deriva. De resto, o fetiche funciona nos dois
sentidos (como, aliás, todos eles, caso contrário terminam!). Ou seja, também existe
um largo número de asiáticas do (sud)este que procura
o homem ocidental , entendendo-o como mais másculo, mais capaz de
proporcionar uma vida estável e de desempenhar um papel protetor (um ideal que,
paradoxalmente, julgo mais concretizável com truques marciais à Bruce Lee, mas
talvez eu venha a entender com o passar do tempo).
Outras questões que me parecem imensamente relevantes para este fascínio do
homem ocidental perante a mulher do (sud)este asiático tem a ver com a
pornografia e a cultura kawaii, ou antes com a
mistura destas duas coisas. Bem sei que parece um contra-senso misturar sexo
puro e duro com a cultura do queridinho, fofinho e giro, cheio de cor de rosa e
diminutivos. Mas é o que acontece. Esta forma de sexualizar
o infantil começou no Japão, mas hoje também se encontra expressamente na
Coreia e na China. Atenção: não se trata de sexo com jovens, muito menos com
crianças. Trata-se, isso sim, de infantilizar as mulheres o mais possível,
tanto física como psicologicamente, daí resultando um interesse por mulheres
fisicamente muito frágeis, quando não de aparência púbere, e que simulem
necessitar de proteção. Até aqui, cada um com sua mania… O problema é que
depressa daqui se resvalou para a fantasia que ensina as mulheres a emitirem
sons de dor ou mesmo chorarem durante o acto sexual. Daqui a uma
elevada taxa de pornografia simulando violações foi um passinho muito curto
(não coloco aqui links porque sou expressamente contra, mas descobri que
encontrar pornografia com asiáticas neste contexto é tristemente quase tão
fácil como ver areia no deserto). Aliás, quanto à simulação de violações, também
acontece na manga, e não apenas com
mulheres; é bastante comum no género yaoi, onde os
papéis de seme (activo) e uke (passivo) são muito marcados.
São a subserviência e a inocência totais na sexualidade que excitam o ideal do homem ocidental, apimentados depois por uma série de “kinky scenes” como sejam a já clássica história dos tentáculos japoneses, que data de uma narrativa tão antiga como 1814, numa publicação de shunga.
Mas não é apenas uma cultura da pornografia internauta ou da manga
facilmente adquirível que explicam este desejo incandescente. No livro The
Asian Mystique: Dragon Ladies, Geisha Girls and Our Fantasies of the Exotic
Orient, a autora Sheridan Prasso procura ir mais além, traçando
o exotismo das mulheres do (sud)este asiático como fascinante para os homens do
Ocidente desde os anos de 1200 aquando das viagens de Marco Polo na sua Rota da
Seda, que inspirou variada arte na Europa posteriormente.
Passaram vários séculos até à publicação da Madame
Chrysanthème de Pierre Loti (1885), o romance que falava da
japonesa Kiku que, em Nagasaki, teve um casamento breve com um marinheiro
americano. Foi baseado neste romance e na xenofobia que nele existia que
Puccini dramatizou a sua Madame Butterfly,
onde Cio-Cio-San sacrifica a vida naquela trágica e digna maneira japonesa,
após ser abandonada por Pinkerton. Nas
próprias palavras de Cio-Cio-San quando o aguarda, vemos toda a fé cega e a
submissão que ela lhe devota:
“Esperarei por ele, durante muito tempo… e não me pesa essa longa espera…
[…] E quando ele chegar… Que dirá? Chamará Butterfly de longe… Eu não
responderei, permanecerei escondida… Um pouco por brincadeira… Mas também para
não morrer nesse encontro … E ele ficará transtornado e chamará “Minha pequena
mulher, flor de laranjeira” Todos os nomes que me chamava quando estávamos
juntos… Tudo isto se passará, não tenhas receio… Eu com toda a fé, espero por
ele.”
Na Modernidade, as guerras entre os dois mundos, sobretudo já no tempo do
mediatismo, com a guerra entre os E.U.A. e o Vietname mitificaram ainda mais um
sentimento de Ocidente versus Oriente,
de domínio e sujeição, e de mistura entre os povos, daqui renascendo estas
teias novelescas, sempre com o homem ocidental como protagonista dominador e a
mulher oriental como dominada (numa versão razoavelmente nipónica,
independentemente da geografia escolhida para a situar): assim temos o musical Miss Saigon
que recria os anos 70 mas foi à cena uma década depois.
Não esqueçamos o papel de Hollywood nos arquétipos culturais de todos nós.
Não é de desprezar o papel que certos filmes recentes têm tido para alimentar o
imaginário: Memoirs of a Geisha, que conta a história de Chiyo desde a
infância até se tornar na geiko
mais importante, sublinhando que as suas escolhas são limitadas e que ela
depende, isso sim, da boa vontade de
quem a escolhe. O andar de passos curtos de Chiyo, o seu riso envergonhado, a
técnica do olhar, as mãos e a cadência do toque, o corpo que pouco deixa
entrever em pormenores, o ser “um objeto de arte em movimento” não é exagero; é
a idealização de um feminino do Oriente mais profundo. Infelizmente, o reverso
da medalha, que é a sua falta de opções, é também esse Oriente, talvez antigo,
talvez não tão desaparecido.
Temos, é claro, o reverso da medalha (favor ver o título do livro de
Sheridan Prasso!). De facto, também nos aparecem narrativas de “ice-cold”
asiáticas, declaradamente marciais e capazes de rebentar com tudo. Embora este
relato seja raro, remeto para Kill Bill,
onde a actriz Lucy Liu interpreta uma japonesa que é a cabecilha de uma yakuza.
No entanto, é de sublinhar que aqui toda a história se reveste de violência no
feminino, e mesmo quem é caucasiano “gosta de brincar com espadas de samurais”
(para usar uma citação do filme).
Propositadamente, não me quero debruçar sobre a origem mais profunda do
mito da mulher do (sud)este asiático e da sua (aparente) servidão face ao
ocidental dominante, já que isso radica no Imperialismo Europeu e na nossa tão
cara noção de que fomos nós a dar mundos aos outros, olvidando que mundos já
eles tinham – os seus! No fundo, foi do apetite europeu pela dominância
político-económica, aliada a uma certa arrogância cultural onde o Oriente foi
(é!) visto como uma terra mística, exótica, fascinante… na mesma medida em que
era religiosamente absurda, higienicamente pobre e intelectualmente atrasada.
Deste modo, não admira que, a partir de vários séculos e séculos onde as
palavras “multiculturalismo” e “pluralidade” ainda não eram populares, fosse
nascendo um conceito de dominador e dominado, que melhor se encaixava numa
óptica de masculino e feminino, até pela própria construção social patriarcal
(em qualquer destes dois mundos, infelizmente).
A este respeito, Orientalism
(1978) de Edward Said, é uma interessante e ainda actual obra que explora as
representações paternalistas do Ocidente em relação ao assim chamado Oriente
(ainda que aqui não o “Far East”), onde se pretende provar que todos os
estereótipos, convenções, enfim, representações que o mundo ocidental (por
definição, mais poderoso e com maior marketing cultural) faz do Oriente são
isso mesmo: representações. Feitas por si, à medida dos olhos do observador
ocidental, caricaturas desenhadas por povos que, de forma geral, se
interessaram pelo Oriente na perspectiva arrogante de povo que o anexara,
vulnerabilizara ou intentava compactar.
Voltemos, então, ao fascínio do homem ocidental pela mulher do Extremo
Oriente. A celeuma é tal que, no mês passado, surgiu o hashtag “#NotYourAsianSidekick”.
De facto, só há algo maior do que “white privilege”; esse algo chama-se “ego”.
Encontro alguns receios nestas mulheres quanto à relação inter-etnia. O
maior receio é tão velho como o mundo: “será que ele está fascinado por mim ou
pelo facto de eu ser asiática?” A percepção entre a identidade humana
individual e cultural torna-se um factor de
perturbação, daí surgindo imensas tentativas de chamar a atenção,
utilizando o humor, como esta
e esta.
Dos casamentos que ocorrem na Ásia entre Asiáticos e não Asiáticos, quase
80% são entre homens ocidentais e mulheres locais. Destes, a esmagadora maioria
gera “eurasians”, nome pouco usado para definir mistos entre caucasianos e
asiáticos. A mulher do Extremo Oriente é uma mãe tigre, que domina dentro da
sua casa - conceito oriental levado à letra -, coisa que geralmente o homem
ocidental não previa, nem consegue encaixar muito bem no seu ideário de “chefe
de família”. Os conceitos de Yin e Yang são-lhe estranhos, e a ligação quase visceral
da asiática aos filhos não raro confunde os caucasianos, mais autónomos quanto
às crianças.
É possível aceitarem a realidade que se segue ao fascínio? Certamente. O
mundo é grande e o interior do ser humano maior ainda. Suspeito que, a seguir,
rotina instalada, se siga uma vida 马马虎虎 “ma ma hu
hu” como dizem os chineses, uma
expressão que significa “mais ou menos”, mas que traduzida à letra quer dizer
“cavalo cavalo tigre tigre” (não me perguntem o porquê desta expressão; eu ainda
não a percebi!)