Tenho lido, sem surpresa, esta novela
mediática à volta do inquérito de Joe Berardo, clássico português em que toda a
gente se finge extraordinariamente surpreendida com tudo. “Que inacreditável vergonha!”
dizem da forma como Joe riu perante a comissão de inquérito. “Que lata!” dizem
do jeito entre o paternalista e o trocista como Joe afirmou “Eu tentei ajudar”.
Que dizer da enorme fortuna do Sr.
Comendador (não esquecer que é um homem condecorado pela nação), da fantástica Coleção
Berardo, dos vinhos da Bacalhoa, etc.? Nada, porque Joe afirmou “Não possuo
nada, não tenho nada!” Os bens não estão no seu nome, foram passados para a
Metalgest (uma holding que salvaguarda os interesses do próprio) e para algo
chamado Associação de Coleções (eu não percebi o objeto e fundamento desta porque
não sou jurista, mas estou em crer que ninguém na sala conseguiu perceber bem).
A lógica é simples: Joe já não tem os
bens… mas detém as associações e empresas que detém os bens. Nem todos os
parlamentares demonstraram entender, ad
pedem litterae, esta lógica. É por isso que eu sou uma miserável proscrita,
por pouco sem direito a identidade, e os parlamentares e afins são abastados,
embora (é certo) bem menos ricos que Joe – sendo também por isso que podem
fingir-se enganados por ele.
Portanto, como afirma Joe, em resposta
às alegadas dívidas de milhões, “pessoalmente, não tenho dividas.” Está
correto. A chave está no advérbio “pessoalmente”, muito bem colocado.
Note-se: a CGD emprestou 50 milhões de
euros ao mutuário de Joe. Joe explicou que o empréstimo até foi sugerido pela
própria CGD; de momento já não era possível recordar bem o autor da sugestão, compreensível
esvaimento da memória. O propósito deste empréstimo era investir em ações do
BCP. Porquê? A julgar pelos depoimentos até agora colhidos (Joe incluído),
havia a ideia de colocar no BCP uma nova administração, quiçá alguém da
administração da CGD. Enfim, tudo tão português e natural. Acresce que os nomes
citados implicam aquela situação tentacular da verdadeira “família” política.
É possível que o Banco de Portugal não
soubesse de tal? Quem lá estava? Ah, a sólida questão dos poderes instaurados. Isto
constitui burla ao património público? Bem, é um empréstimo de um banco
público, cujas garantias foram defraudadas… Que lhe haveremos de chamar?
O Sr. Primeiro Ministro afirmou e cito
“O País está chocado com o desplante de Joe Berardo”. Mais uma vez, uma
excelente utilização das palavras. Quem está chocado? O País. Eu aplaudo a
utilização de gramática dos intervenientes nesta sessão. Não entendo os
comentários raivosos que li acerca da pobreza linguística da mesma. Pelo
contrário; na minha opinião, falaram de forma certeira. O Sr. Primeiro Ministro
disse ainda “Espero que a Justiça portuguesa funcione”. É outra brilhante e
pequena frase, riquíssima em semântica.
Por curiosidade, fui ver quem é o
advogado de Joe (porque na verdade, foi ele quem lhe “deu as indicações”). Li
que é um “amigo do Sr. Comendador”, foi administrador nas suas empresas e
detinha cargos no BCP. Além disso, tem ligações a famílias nobres em Portugal.
Como diz um comentador conhecido “o pobre procura um advogado quando é acusado
de um crime; o rico já tem um advogado informado na perspetiva de vir a ser
acusado do crime”. Daqui resulta que ao rico nunca falta uma boa defesa.
Mas a defesa do rico não é o seu
advogado. Passa antes por aquilo que o acusado detém: monetariamente, em termos
de informação e de projeção. Passa pela rede que construiu. O rico é um amicus curiae. Os seus julgadores acabam por fazer parte
dessa rede, fatalmente. Logo, os julgadores do rico, sobretudo num país
pequeno, fazem parte da defesa do rico.
Aliás, não fosse Joe quem é, teria ido
ao Tribunal em vez de se sentar num “inquérito parlamentar” (estava em causa a
Constituição ou o Governo?!), e responderia a um juiz em vez de responder a
políticos. Mas, com palermadas destas, Portugal enche a boca a dizer que existe
separação de poderes neste país.
Hey Joe, eu felicito-te. No inquérito,
só mostraste, como dizem os italianos, que “li hai preso per i coglioni”.