... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, May 9, 2019

Racismo à Portuguesa


Todos conhecemos o conceito muito propagado “Portugal não é racista”. Portugal, um país onde todos, mais ou menos coloridos, e vindos de todos os quadrantes, se sentem bem! Os outros países enfermam todos de racismo, mas Portugal não. A esta ideia não é alheia a História já que, contam os livros, o povo português sempre adorou a ideia de miscigenação, tendo criado novos povos através da mistura de etnias, daí nascendo o mulato, o mestiço, o cabrito, o crioulo, o caboclo, o cafuzo, o mameluco, o pardo, o mazomba e sei lá que mais. Uma epifania neuronal levaria à conclusão de que só a existência de nomenclaturas várias para designar pessoas conforme a cor ou a origem étnica dos progenitores é demonstrativa de racismo mas, como sempre, uma História escrita com tinta cor de rosa, chama a esta miscigenação “amor entre as raças” (como se houvesse mais do que uma raça quando só existe a raça humana!).

Esta abertura vem a propósito de incidentes recentes entre a juventude universitária portuguesa. O primeiro na Queima das Fitas da Universidade de Coimbra onde os “doutores” de, precisamente, o curso de História queriam fazer desfilar um carro chamado “Alcoholocausto” com o símbolo de um comboio a lembrar o transporte dos judeus para os campos de extermínio. A ideia foi alimentada desde a Latada, onde uns caloiros foram vestidos de judeus e outros de nazis no Cortejo das Latas. Aquilo que “não passa de uma celeuma sobre o que é uma piada” (segundo o responsável, que declinou mais comentários) é grave. Grave pela insensibilidade, grave pela falta de empatia, de bom senso e bom gosto, de respeito e de justiça, e grave por se tratar de alunos que dentro de um mês são licenciados em História e que, assim, demonstram total falhanço de conhecimento da História do seu continente no século XX naquilo que teve de mais aterrorizante e abominável como foi a Shoah.

O caso torna-se mais flagrante nas declarações de professores da FLUC, que falam em “discurso antissemita” dos seus alunos, razão pela qual fizeram pressão para que o cortejo com referência ao extermínio judaico não se realizasse. A petição que levou à mudança incluía nomes de docentes e de alunos, mas a FLUC, enquanto órgão institucional, não se pronunciou.

O segundo caso deu-se na Universidade de Lisboa, na Faculdade de Direito, onde seria de esperar que existisse mais noção de igualdade, ética e justiça por parte de futuros atores do sistema. Os alunos de Mestrado (longe de qualquer infantilidade) colocaram uma caixa no corredor com pedras para serem atiradas em “zucas”, termo calão para referir brasileiros. A explicação (como se pudesse existir explicação ou razão para apedrejamento, senhores juristas!), foi dada: os alunos brasileiros tinham passado à frente nas colocações para o Mestrado. Ao que parece, no ano anterior, a seleção para o Mestrado foi aberta antes dos alunos da UL concluírem a licenciatura, razão pela qual a maioria dos inscritos no Mestrado é de nacionalidade brasileira. Agora pergunto: foram os alunos brasileiros quem determinou a data de abertura do concurso? Mal estamos com estas cabeças jurídico-pensantes, que nem avaliar sabem da causa e desatam à violência contra o beneficiado, por dor de cotovelo! Que se sintam injustiçados é um assunto; que não saibam reagir nem avaliar da culpa é outro bem diverso!

Neste caso, a FD veio dizer que estavam em causa eleições para a Associação Académica, desculpando a atitude com política. Pior a emenda: em política, xenofobia, aceita-se?! Já a UL foi severa e, através do seu Reitor, afirmou a abertura de processo disciplinar aos alunos em causa.

O futuro de Portugal – que ainda é um dos quatro países europeus, a par da Irlanda, Malta e Luxemburgo, que não tem a extrema-direita no Parlamento – é sombrio. Quanto mais tempo poderá Portugal mascarar o real sobre o racismo e a xenofobia no país?