Todos conhecemos o conceito muito
propagado “Portugal não é racista”. Portugal, um país onde todos, mais ou menos
coloridos, e vindos de todos os quadrantes, se sentem bem! Os outros países
enfermam todos de racismo, mas Portugal não. A esta ideia não é alheia a
História já que, contam os livros, o povo português sempre adorou a ideia de
miscigenação, tendo criado novos povos através da mistura de etnias, daí
nascendo o mulato, o mestiço, o cabrito, o crioulo, o caboclo, o cafuzo, o mameluco,
o pardo, o mazomba e sei lá que mais. Uma epifania neuronal levaria à conclusão
de que só a existência de nomenclaturas várias para designar pessoas conforme a
cor ou a origem étnica dos progenitores é demonstrativa de racismo mas, como
sempre, uma História escrita com tinta cor de rosa, chama a esta miscigenação
“amor entre as raças” (como se houvesse mais do que uma raça quando só existe a
raça humana!).
Esta abertura vem a propósito de
incidentes recentes entre a juventude universitária portuguesa. O primeiro na
Queima das Fitas da Universidade de Coimbra onde os “doutores” de,
precisamente, o curso de História queriam fazer desfilar um carro chamado
“Alcoholocausto” com o símbolo de um comboio a lembrar o transporte dos judeus
para os campos de extermínio. A ideia foi alimentada desde a Latada, onde uns
caloiros foram vestidos de judeus e outros de nazis no Cortejo das Latas.
Aquilo que “não passa de uma celeuma sobre o que é uma piada” (segundo o
responsável, que declinou mais comentários) é grave. Grave pela
insensibilidade, grave pela falta de empatia, de bom senso e bom gosto, de
respeito e de justiça, e grave por se tratar de alunos que dentro de um mês são
licenciados em História e que, assim, demonstram total falhanço de conhecimento
da História do seu continente no século XX naquilo que teve de mais
aterrorizante e abominável como foi a Shoah.
O caso torna-se mais flagrante nas
declarações de professores da FLUC, que falam em “discurso antissemita” dos
seus alunos, razão pela qual fizeram pressão para que o cortejo com referência
ao extermínio judaico não se realizasse. A petição que levou à mudança incluía
nomes de docentes e de alunos, mas a FLUC, enquanto órgão institucional, não se
pronunciou.
O segundo caso deu-se na Universidade de
Lisboa, na Faculdade de Direito, onde seria de esperar que existisse mais noção
de igualdade, ética e justiça por parte de futuros atores do sistema. Os alunos
de Mestrado (longe de qualquer infantilidade) colocaram uma caixa no corredor
com pedras para serem atiradas em “zucas”, termo calão para referir
brasileiros. A explicação (como se pudesse existir explicação ou razão para
apedrejamento, senhores juristas!), foi dada: os alunos brasileiros tinham
passado à frente nas colocações para o Mestrado. Ao que parece, no ano
anterior, a seleção para o Mestrado foi aberta antes dos alunos da UL
concluírem a licenciatura, razão pela qual a maioria dos inscritos no Mestrado
é de nacionalidade brasileira. Agora pergunto: foram os alunos brasileiros quem
determinou a data de abertura do concurso? Mal estamos com estas cabeças
jurídico-pensantes, que nem avaliar sabem da causa e desatam à violência contra
o beneficiado, por dor de cotovelo! Que se sintam injustiçados é um assunto;
que não saibam reagir nem avaliar da culpa é outro bem diverso!
Neste caso, a FD veio dizer que estavam
em causa eleições para a Associação Académica, desculpando a atitude com
política. Pior a emenda: em política, xenofobia, aceita-se?! Já a UL foi severa
e, através do seu Reitor, afirmou a abertura de processo disciplinar aos alunos
em causa.
O futuro de Portugal – que ainda é um
dos quatro países europeus, a par da Irlanda, Malta e Luxemburgo, que não tem a
extrema-direita no Parlamento – é sombrio. Quanto mais tempo poderá Portugal mascarar
o real sobre o racismo e a xenofobia no país?