Peter Zhu, um cadete da Academia
Militar de West Point, nos E.U.A., sofreu um acidente de esqui há 3 meses atrás
que o deixou com a coluna severamente fraturada. Cinco dias depois, foi
pronunciada a sua morte cerebral. O jovem de 21 anos foi mantido vivo ainda
durante dois dias mais, altura em que os seus pais obtiveram uma ordem do
Tribunal para preservar o esperma do jovem, a fim de “obter descendência a
partir deste”. A ordem acaba de ser confirmada na passada semana.
No seu pedido, os pais de Peter
Zhu alegaram várias coisas.
A primeira foram as excelentes
qualidades do filho, razões pelas quais “queriam preservar o seu material
reprodutivo e genético.” Este motivo, que pareceu ao decisor retratar uns pais
elogiosos do seu filho, parece-me a mim assustadoramente hitleriano, na onda da
preservação da raça. Além de que, no elogio feito ao filho, nada mais encontro
do que a extensão de um elogio aos próprios – pois o material genético do filho
é o dos pais, aqui pretensos futuros avós.
Alegaram, também, que o filho,
“generoso e humanitário”, era um dador de órgãos consignado, razão pela qual,
se iam retirar-lhe os órgãos para serem doados a outras pessoas, sentiam que
seria igualmente possível e dentro da mesma bitola avaliativa legal, ser-lhe
retirado o esperma (obviamente antes dos órgãos) e ser este entregue aos pais,
para que estes pudessem utilizá-lo para fins reprodutivos. Ora, também com isto
não concordo por não me parecer o mesmo, pois se Peter Zhu assinou um papel
concordando em ser dador de órgãos, isso não é o mesmo que ser dador de
esperma, nem daí se pode concluir a sua anuência em tal. Aliás, incorre-se aqui
num erro de forma e de matéria, pois que o esperma não é um órgão. Seria
necessário que Peter Zhu tivesse incluído na doação post mortem esta cláusula específica, a doação de fluídos
reprodutivos – o que, aliás, nem sei se é possível, de tal forma me parece absurdo.
Finalmente, os pais de Peter
alegaram que tinham a certeza de que o “desejo de Peter seria ter filhos,
desejo esse que não lhe foi possível realizar […] pelo que tendo perdido o
nosso precioso filho, rogamos ao Tribunal a possibilidade de preservar uma
parte dele numa criança que venha a existir.” Claro que a dor de perder um
filho é inconcebível para a generalidade dos pais e não se pode julgar a forma como
cada um reage a essa dor. Mas outra coisa, bem diferente deste quadro, são as
últimas linhas que aqui transcrevi, com as quais me arrepiei. Passando por cima
do facto de ser impossível saber os desejos de Peter quanto à paternidade (estava
cerebralmente morto e não deixou nada escrito neste sentido), é assustador a
admissão de que a razão pela qual querem um neto é para ver Peter vivo outra
vez, descobrir Peter noutra criança, enfim ter Peter de novo. O futuro neto
(cuja mãe será, provavelmente, apenas um “vaso reprodutivo”) não passará de um
espelho do filho perdido, não indivíduo por direito, servindo para compensar a
solidão destes avós. Um fardo muito pesado e muito injusto para uma nova vida.
Ficam-me, ainda, outras
interrogações éticas sobre este pedido tão rapidamente autorizado pelo Juiz
Colangelo. Nesta época em que a sociedade despertou para a noção de
“consentimento” nos atos sexuais e tendo em conta que profanar um corpo morto é
crime, como se encara a manipulação masculina para obter esperma, tendo em
conta que Peter Zhu nunca expressou o seu consentimento? Quanto a mim, não é
claro seja lícito, pois mesmo a doação de órgãos (e insisto que esperma não é
órgão) tem de ser autorizada pelo próprio, expressamente e em vida.
Para já, os futuros avós congelaram
o esperma e ainda não revelaram o que se segue, visto que a ordem do Tribunal
os autoriza a ficar com o esperma mas não os obriga a nenhum tipo de utilização
consequente. Abriu-se uma caixa de Pandora, cujas respostas éticas não são claras
e levantam muito desgosto.