... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, October 11, 2019

O Efeito Lúcifer


Nos anos 70, o psicólogo americano e professor da Stanford University Philip Zimbardo realizou uma controversa experiência que ficou conhecida como a Experiência da Prisão de Stanford e que Zimbardo retrata num livro, publicado apenas em 2007, denominado “O Efeito Lúcifer: como se tornam más as boas pessoas”.

O livro foi um sucesso, ganhando o prémio 2008 da American Psychological Association. Já a Experiência de Stanford serve-nos enquanto “case study”.

Zimbardo recrutou 24 homens caucasianos de classe média, sem passado criminal, aparentemente mentalmente estáveis e fisicamente saudáveis, para o que deveria ser uma experiência de duas semanas numa prisão fictícia. O psicólogo pretendia avaliar quais os efeitos que se (de)notam em alguém que se torna um prisioneiro ou um guarda prisional. Moviam-no, igualmente, questões de estudo de poder, domínio, submissão, identidade grupal, desumanização, vandalismo, identidade ou perda da mesma. Para tal, dividiu os voluntários em prisioneiros e guardas prisionais, tendo ele mesmo assumido o papel de superintendente da prisão.

Não é anormal que os participantes num estudo psicológico sejam voluntários que recebem apenas uma pequena compensação por participarem. Ainda hoje é assim em todas as grandes universidades pelo mundo fora. No entanto, hoje em dia, as questões éticas são salvaguardadas e jamais uma experiência deste género seria levada a cabo em contexto científico. A julgar pelas experiências que lemos dos anos 70, o apreço pelas condições mentais dos sujeitos durante e após uma participação num estudo era nulo.

Feita a divisão, Zimbardo instruiu os sujeitos para assumirem o seu papel na totalidade: os prisioneiros (que viviam 24/7 como tal) eram tratados como criminosos em reclusão pelos guardas que tinham autoridade sobre eles. Zimbardo foi claro, dizendo aos guardas que fizessem sentir aos prisioneiros que eles tinham perdido todo o poder sobre as suas vidas, bem como a sua individualidade; deveriam sentir constante tédio e constante medo.

Logo ao fim do primeiro dia, notou-se que os homens encarnaram completamente uma nova persona, embora alguns em muito maior grau que outros. Esta persona bem como o grau de intensidade com que cada qual a investiu manteve-se até ao fim do estudo. Assim, um dos homens era considerado o guarda mais temido porque era, de longe, o mais abusivo e mais violento de todos (já no fim do primeiro dia), ao passo que outro guarda – que não contara ser escolhido para esse papel – era empático com os prisioneiros e tinha muita dificuldade em ser duro com eles. Os efeitos também se fizeram sentir com a mesma rapidez nos prisioneiros. Algumas horas de reclusão e abuso eram passadas quando um deles já se revoltava (e continuaria sempre a revoltar-se), outros apresentavam submissão e outro revelou sinais de loucura violenta, a tal ponto que teve de ser retirado da experiência para sua própria salvaguarda, tais eram as manifestações de raiva descontrolada.

Longe de diminuírem com a passagem dos dias, as reacções de cada qual foram-se intensificando com o passar do tempo. A generalidade dos guardas tornou-se cada vez mais violento, exibindo tendências de um sadismo considerável.

O estudo teve fim prematuro quando a namorada de Zimbardo visitou a prisão. Ficou extremamente chocada com o que presenciou e pediu-lhe que terminasse, ao que ele acedeu. No entanto, Zimbardo sublinha que 50 pessoas tinham visitado a “prisão” antes dela e ninguém o questionara sobre a ética do que por lá se passava.

O “efeito Lúcifer” fala-nos de transformações morais, usando a metáfora do anjo caído tornado demónio que todos conhecem da história bíblica. Teoriza que uma tal transformação ocorre nos indivíduos tendo em conta três variáveis que devem estar presentes: um sistema de poder, uma situação e uma pré-disposição individual. Questiona também a possibilidade das atitudes mudarem consoante a pessoa saber que está a ser (ou não) observada, de produzir dissonância cognitiva e dos que se sentem poderosos responderem apenas ao poder de uma autoridade maior mas serem insensíveis aos que julgam seus inferiores, objectificando-os por completo.

Apesar de estarmos no rescaldo eleitoral, esta crónica nada tem a ver com políticos ou com política. Ou então tem. Cada um entenderá a seu gosto e consoante a sua experiência.