Nos anos 70, o psicólogo
americano e professor da Stanford University Philip Zimbardo realizou uma
controversa experiência que ficou conhecida como a Experiência da Prisão de
Stanford e que Zimbardo retrata num livro, publicado apenas em 2007, denominado
“O Efeito Lúcifer: como se tornam más as boas pessoas”.
O livro foi um sucesso, ganhando
o prémio 2008 da American Psychological Association. Já a Experiência de
Stanford serve-nos enquanto “case study”.
Zimbardo recrutou 24 homens
caucasianos de classe média, sem passado criminal, aparentemente mentalmente
estáveis e fisicamente saudáveis, para o que deveria ser uma experiência de
duas semanas numa prisão fictícia. O psicólogo pretendia avaliar quais os
efeitos que se (de)notam em alguém que se torna um prisioneiro ou um guarda
prisional. Moviam-no, igualmente, questões de estudo de poder, domínio,
submissão, identidade grupal, desumanização, vandalismo, identidade ou perda da
mesma. Para tal, dividiu os voluntários em prisioneiros e guardas prisionais,
tendo ele mesmo assumido o papel de superintendente da prisão.
Não é anormal que os
participantes num estudo psicológico sejam voluntários que recebem apenas uma
pequena compensação por participarem. Ainda hoje é assim em todas as grandes
universidades pelo mundo fora. No entanto, hoje em dia, as questões éticas são
salvaguardadas e jamais uma experiência deste género seria levada a cabo em
contexto científico. A julgar pelas experiências que lemos dos anos 70, o
apreço pelas condições mentais dos sujeitos durante e após uma participação num
estudo era nulo.
Feita a divisão, Zimbardo
instruiu os sujeitos para assumirem o seu papel na totalidade: os prisioneiros
(que viviam 24/7 como tal) eram tratados como criminosos em reclusão pelos
guardas que tinham autoridade sobre eles. Zimbardo foi claro, dizendo aos
guardas que fizessem sentir aos prisioneiros que eles tinham perdido todo o
poder sobre as suas vidas, bem como a sua individualidade; deveriam sentir
constante tédio e constante medo.
Logo ao fim do primeiro dia, notou-se
que os homens encarnaram completamente uma nova persona, embora alguns em muito
maior grau que outros. Esta persona bem como o grau de intensidade com que cada
qual a investiu manteve-se até ao fim do estudo. Assim, um dos homens era
considerado o guarda mais temido porque era, de longe, o mais abusivo e mais
violento de todos (já no fim do primeiro dia), ao passo que outro guarda – que
não contara ser escolhido para esse papel – era empático com os prisioneiros e
tinha muita dificuldade em ser duro com eles. Os efeitos também se fizeram
sentir com a mesma rapidez nos prisioneiros. Algumas horas de reclusão e abuso
eram passadas quando um deles já se revoltava (e continuaria sempre a
revoltar-se), outros apresentavam submissão e outro revelou sinais de loucura
violenta, a tal ponto que teve de ser retirado da experiência para sua própria
salvaguarda, tais eram as manifestações de raiva descontrolada.
Longe de diminuírem com a
passagem dos dias, as reacções de cada qual foram-se intensificando com o
passar do tempo. A generalidade dos guardas tornou-se cada vez mais violento,
exibindo tendências de um sadismo considerável.
O estudo teve fim prematuro
quando a namorada de Zimbardo visitou a prisão. Ficou extremamente chocada com
o que presenciou e pediu-lhe que terminasse, ao que ele acedeu. No entanto,
Zimbardo sublinha que 50 pessoas tinham visitado a “prisão” antes dela e
ninguém o questionara sobre a ética do que por lá se passava.
O “efeito Lúcifer” fala-nos de
transformações morais, usando a metáfora do anjo caído tornado demónio que
todos conhecem da história bíblica. Teoriza que uma tal transformação ocorre
nos indivíduos tendo em conta três variáveis que devem estar presentes: um
sistema de poder, uma situação e uma pré-disposição individual. Questiona
também a possibilidade das atitudes mudarem consoante a pessoa saber que está a
ser (ou não) observada, de produzir dissonância cognitiva e dos que se sentem
poderosos responderem apenas ao poder de uma autoridade maior mas serem
insensíveis aos que julgam seus inferiores, objectificando-os por completo.
Apesar de estarmos no rescaldo
eleitoral, esta crónica nada tem a ver com políticos ou com política. Ou então
tem. Cada um entenderá a seu gosto e consoante a sua experiência.