... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, October 25, 2019

Os Jovens e os Ecrãs


Ainda sou do tempo em que se dizia “Não te sentes perto da televisão. Faz mal à vista!” Quinze anos depois, todos tínhamos telemóveis e a questão tornou-se obsoleta. Sou, portanto, da geração onde se deu um salto entre dois modos extremamente distintos de vida e que não se enquadra numa denominativa geracional. Ainda por cima, nós que vivenciámos a vida açoriana durante a infância e (parte da) adolescência, sentimos com mais particularidade o tradicional e, dos que fomos imigrantes, ainda com maior acuidade o inovador. Logo, o tempo que mediou entre “cuidado, a televisão faz mal à vista!” e os fones sem fios, lentes biónicas, bio-printing 3D e outros, foi muito pouco. Somos, possivelmente a única geração que foi avisada contra a tecnologia, mas teve de trabalhar com ela logo que iniciou os estudos a sério.

Isto para dizer que não faço parte dos pais que perde a cabeça com os miúdos “que “passam tempo com tecnologia”. Com peso e medida – fórmula que não diz respeito apenas à tecnologia, mas a tudo na vida, para miúdos e para graúdos. O equilíbrio é importante, mas é risível se diz respeito apenas ao uso da internet e afins. Porque não também em relação ao exercício, comida, descanso, etc?

A conversa “os miúdos de hoje andam agarrados ao tablet e isso só faz mal” soa-me demasiado semelhante à conversa do meu tempo de criança “os miúdos de hoje veem televisão e isso só faz mal.” Ou seja, traduzindo “os miúdos deste tempo fazem algo que no meu tempo de miúdo não havia e, consequentemente, isso não é bom!” Toda a geração olha com alguma desconfiança para a novidade e (porque não dizê-lo?) para a oportunidade que surge e que, no seu tempo, não existia. É a natureza humana. Suspeito que quando o acesso aos livros e imprensa escrita se massificou, a geração anterior também terá avisado “Não andes agarrado aos livros! Isso faz mal! Estraga a vista! Não põe comida na mesa!” e outras preciosidades no género. Aliás, como a taxa de iliteracia em Portugal no tempo de Salazar rondava os 75%, o tempo destes avisos contra a literatura no nosso país é capaz de não estar tão longe assim! Tal facto acentua mais ainda a dramática (porque extremamente rápida) convulsão alfabético-tecnológica das gerações portuguesas nos últimos anos.

Ao contrário do que pede certa canção popular portuguesa, o tempo não vai voltar para trás. O tempo é sempre em frente! Temos a escolha de nos adaptarmos às novas realidades ou não. Certo é que a tecnologia veio para ficar, e será cada vez mais preponderante. Podemos nunca precisar de próteses, pacemakers ou outros; podemos ignorar que existem o SunWay TaihuLight e o Summit; mas já ninguém se imagina a viver sem computador e sem telemóvel!

Aliás, sempre que um adulto se queixa porque o filho passa muito tempo com tecnologias, logo gosto de perguntar quanto por dia gasta o progenitor nas suas andanças tecnológicas? Decerto, o “vício” não é só dos juvenis. Existe uma aprendizagem social e familiar que não é de menosprezar: porque deve o Pedrinho deixar de jogar quando come se os pais comem de telemóvel na mão? Recordo que a idade média de um “gamer” é 33 anos, não 15 nem 8…

Os jovens vivem a tecnologia. Os próprios pais lhes perguntam “como se faz”. Nas universidades mundo fora, os docentes já só leccionam com tecnologia e o investigador tem de usar mil ferramentas onde antes usava papel e lápis (hoje, obsoletos, inclusive para músicos).

Difícil é também convencer um jovem que não terá dinheiro se continuar a interessar-se por Fortnite ou outro jogo virtual quando ele sabe que Kyle Giersdorf, de 16 anos, ganhou 3 milhões num campeonato do mundo deste joguinho recentemente; ou dizer-lhe que não veja YouTube quando ele sabe que há milionários que vivem de vídeos.

Apesar da sua má reputação, a verdade é que os jogos virtuais e, sobretudo, o uso da tecnologia, incrementam várias habilidades cognitivas, como o leque de atenção, multi tasking, foco, percepção. Por outro lado, não está provado que conduzam a défices de concentração ou que incrementem violência. Estas são conclusões de neurocientistas da Universidade de Géneve e da Universidade da Califórnia, Daphne Bavelier e Benoit Bediou.

Portanto, porque não jogar? Com equilíbrio. A mesma dose de bom senso que se tem para tudo é aplicável aqui. Em si mesmos, os jogos e a tecnologia não são um inimigo nem um drama; pelo contrário.