Ainda sou do tempo em que se
dizia “Não te sentes perto da televisão. Faz mal à vista!” Quinze anos depois,
todos tínhamos telemóveis e a questão tornou-se obsoleta. Sou, portanto, da
geração onde se deu um salto entre dois modos extremamente distintos de vida e
que não se enquadra numa denominativa geracional. Ainda por cima, nós que
vivenciámos a vida açoriana durante a infância e (parte da) adolescência,
sentimos com mais particularidade o tradicional e, dos que fomos imigrantes,
ainda com maior acuidade o inovador. Logo, o tempo que mediou entre “cuidado, a
televisão faz mal à vista!” e os fones sem fios, lentes biónicas, bio-printing
3D e outros, foi muito pouco. Somos, possivelmente a única geração que foi
avisada contra a tecnologia, mas teve de trabalhar com ela logo que iniciou os
estudos a sério.
Isto para dizer que não faço
parte dos pais que perde a cabeça com os miúdos “que “passam tempo com
tecnologia”. Com peso e medida – fórmula que não diz respeito apenas à
tecnologia, mas a tudo na vida, para miúdos e para graúdos. O equilíbrio é
importante, mas é risível se diz respeito apenas ao uso da internet e afins.
Porque não também em relação ao exercício, comida, descanso, etc?
A conversa “os miúdos de hoje andam
agarrados ao tablet e isso só faz
mal” soa-me demasiado semelhante à conversa do meu tempo de criança “os miúdos
de hoje veem televisão e isso só faz mal.” Ou seja, traduzindo “os miúdos deste
tempo fazem algo que no meu tempo de miúdo não havia e, consequentemente, isso
não é bom!” Toda a geração olha com alguma desconfiança para a novidade e
(porque não dizê-lo?) para a oportunidade que surge e que, no seu tempo, não
existia. É a natureza humana. Suspeito que quando o acesso aos livros e
imprensa escrita se massificou, a geração anterior também terá avisado “Não
andes agarrado aos livros! Isso faz mal! Estraga a vista! Não põe comida na
mesa!” e outras preciosidades no género. Aliás, como a taxa de iliteracia em
Portugal no tempo de Salazar rondava os 75%, o tempo destes avisos contra a
literatura no nosso país é capaz de não estar tão longe assim! Tal facto acentua
mais ainda a dramática (porque extremamente rápida) convulsão
alfabético-tecnológica das gerações portuguesas nos últimos anos.
Ao contrário do que pede certa
canção popular portuguesa, o tempo não vai voltar para trás. O tempo é sempre
em frente! Temos a escolha de nos adaptarmos às novas realidades ou não. Certo
é que a tecnologia veio para ficar, e será cada vez mais preponderante. Podemos
nunca precisar de próteses, pacemakers
ou outros; podemos ignorar que existem o SunWay TaihuLight e o Summit; mas já
ninguém se imagina a viver sem computador e sem telemóvel!
Aliás, sempre que um adulto se
queixa porque o filho passa muito tempo com tecnologias, logo gosto de
perguntar quanto por dia gasta o progenitor nas suas andanças tecnológicas?
Decerto, o “vício” não é só dos juvenis. Existe uma aprendizagem social e
familiar que não é de menosprezar: porque deve o Pedrinho deixar de jogar
quando come se os pais comem de telemóvel na mão? Recordo que a idade média de
um “gamer” é 33 anos, não 15 nem 8…
Os jovens vivem a tecnologia. Os
próprios pais lhes perguntam “como se faz”. Nas universidades mundo fora, os
docentes já só leccionam com tecnologia e o investigador tem de usar mil
ferramentas onde antes usava papel e lápis (hoje, obsoletos, inclusive para
músicos).
Difícil é também convencer um
jovem que não terá dinheiro se continuar a interessar-se por Fortnite ou outro
jogo virtual quando ele sabe que Kyle Giersdorf, de 16 anos, ganhou 3 milhões num
campeonato do mundo deste joguinho recentemente; ou dizer-lhe que não veja
YouTube quando ele sabe que há milionários que vivem de vídeos.
Apesar da sua má reputação, a
verdade é que os jogos virtuais e, sobretudo, o uso da tecnologia, incrementam várias
habilidades cognitivas, como o leque de atenção, multi tasking, foco,
percepção. Por outro lado, não está provado que conduzam a défices de
concentração ou que incrementem violência. Estas são conclusões de
neurocientistas da Universidade de Géneve e da Universidade da Califórnia,
Daphne Bavelier e Benoit Bediou.
Portanto, porque não jogar? Com
equilíbrio. A mesma dose de bom senso que se tem para tudo é aplicável aqui. Em
si mesmos, os jogos e a tecnologia não são um inimigo nem um drama; pelo
contrário.