... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, December 6, 2019

Apaixonado? Olhe que não!...


Em 1962, Schachter e Singer “descobriram” o que denominaram Teoria dos Dois Factores da Emoção. Segundo estes investigadores, uma emoção é baseada em dois factores: a resposta fisiológica que sentimos aquando da emoção e a etiqueta cognitiva que lhe damos, sendo esta última baseada nas pistas ambientais que encontramos para a nossa excitação fisiológica. Traduzindo: sentimos algo que faz o nosso corpo responder imediatamente com sintomas e logo o nosso cérebro procura dar uma causa e nome a esse algo, colocando-lhe um rótulo.

O problema é que, às vezes, engana-se. Nas mais variadas experiências feitas por estes investigadores e outros que, posteriormente, retomaram o tema, concluiu-se que não é raro o cérebro não saber porque é que a excitação fisiológica acontece. Nessas ocasiões, o ser humano procura sempre compensar e dar uma razão à causa, invariavelmente. Isto não quer dizer que tenha descoberto o porquê da excitação, apenas quer dizer que diminui a sua ansiedade na procura de uma resposta para as suas sensações corporais.

Daqui nasceu o termo “atribuição errónea da causa de excitação”, que não é mais do que dizer que o bem-intencionado ser humano se enganou a colocar as legendas nas suas emoções.

Um dos exemplos mais clássicos para demonstrar esta possibilidade é a panóplia de transformações físicas que se opera no nosso corpo quando sentimos medo, desde falta de ar até alterações na pressão sanguínea. Lamentavelmente, são muito semelhantes às mudanças operadas nos organismos “atacados” de paixão romântica. Apesar desta irónica semelhança fisiológica, em princípio, um ser humano de pensamento claro e emoção organizada não terá problemas em distinguir o medo do romantismo, certo? A julgar pela experimentação científica, parece que não estamos tão seguros assim…

Um dos estudos a este respeito denominado “O Amor Apaixonado e a atribuição errónea da causa de excitação” (White, Fishbein e Rutsein, 1981) demonstra que qualquer tipo de excitação física prévia não relacionada com parceiros mas com situações absolutamente paralelas (por exemplo, exercício extenuante) faz com que uma atracção sexual/romântica tenha propensão para acontecer imediatamente a seguir. Tentativa de prolongamento da sensação? Os donos de discotecas já descobriram este truque há muitos anos…

Não vou citar aqui todas as experiências que já se fizeram sobre este conceito de atribuição errónea, mas não quero deixar de mencionar aquela que é, provavelmente, a mais famosa: trata-se da experiência da ponte suspensa feita por Dutton e Aron em 1974. Nesta experiência, os sujeitos (homens) tinham de atravessar uma ponte suspensa perigosa, sujeita a ventos e ao balanço. As sensações de medo e ansiedade eram inevitáveis. Eram recebidos por uma mulher atraente com um desenho (não sexual) que lhes pedia para escreverem uma história e lhes entregava o seu número de telefone, pois caso tivessem dúvidas poderiam contactá-la para falar da experiência. Um elevado número de participantes quis ligar, estando convencido de uma atracção considerável por esta mulher. Todas as sensações fisiológicas que os assomavam (rápido bater do coração, joelhos “fracos”, palpitações, dificuldades respiratórias, mãos transpiradas) foram por eles atribuídas a uma atracção sexual fulminante pela mulher e não ao medo que ter acabado de atravessar uma ponte suspensa lhes tinha causado – medo esse que ainda permanecia e destilava dos seus corpos. A mesma experiência colocou sujeitos diferentes frente à mulher atraente mas no início da ponte e, coisa interessante, antes de atravessar nenhum homem se sentiu atacado pela paixão. As pessoas que inventaram os filmes de terror e os parques de diversões com montanhas russas também já conhecem este truque: não é raro que pares de namorados gostem de ir ao cinema ver filmes de terror – a ciência explica.

No entanto, apesar da pimenta que se esconde atrás do jasmim, há outras conclusões menos humorísticas a retirar de tudo isto. Não será que esta confusão dos rótulos que colocamos às nossas emoções, particularmente este confundir do receio com a paixão, explica a manutenção de algumas relações tóxicas? Parece-me que aqui está a chave desses casos: N pensa que está apaixonado porque sente os sintomas que identifica como tal; mas afinal N apenas vive com medo. Parece que, fisiologicamente, a linha que os separa é ténue e confusa, sobretudo para espíritos ansiosos.