... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, December 20, 2019

Pegadas de Carbono


Até há poucos anos, a chamada questão ambiental não era moda – apesar de toda a gente viver de forma bem mais sustentável do que hoje. O Zé que praticava agricultura à moda antiga, andava a pé ou de burro, remendava a sua roupa que durava anos e não tinha telefone nem carro, jamais tinha ouvido falar do “degelo” e da “chuva ácida” mas garantidamente sabia umas coisas sobre mudança climática e espécies naturais e invasoras, sem usar desse palavreado. O Zé era bem mais amigo do ambiente do que os ambientalistas actuais que fazem muito discurso, mas depois usam roupinhas de marca (a moda é a indústria mais efémera e mais poluente do mundo, sem esquecer a escravidão humana que arrasta) e carregam mil e um gadgets: telemóveis, laptops, tablets, câmaras digitais, enfim, um mar de metal não reciclável e de carregadores de lítio. Ambientalistas? Só na auto-designação. Mas esse pessoal quase degola o Zé agricultor porque as vacas dele libertam metano quando arrotam; esse mesmo pessoal gosta de comer bife nos jantares, não fazendo a ligação mental com a vaca, com que aliás nunca lidaram a não ser vendo-a de passagem, em passeio.

A reciclagem é muito importante. Não é só importante para “salvar o planeta”. É importante também (ou sobretudo, não sejamos inocentes!) porque é uma grande indústria. Milhões de pessoas vivem da reciclagem. Os muito pobres vivem de catar o lixo e separá-lo (basta ver a “Avenida Brasil”). Mas, para além disso, reciclar é lucro. Por exemplo, em Taiwan, uma ilha sem recursos por aí além, há mais de 1700 companhias de reciclagem e o dinheiro que fazem são mais de 3 biliões de dólares americanos por ano - reporto-me a estatísticas que nem sequer são deste ano, portanto fermentem um pouco mais. Só conseguem reciclar cerca de 80% do lixo industrial e 65% do lixo caseiro. Imaginemos como não será quando a malta toda for comprar os saquinhos azuis e se dispuser a reciclar seriamente.

Conheço muita gente que vive um estilo denominado “ambientalista”. Mas o que é isso? Na segunda vez que engravidei, todos quiseram aconselhar-me sobre como seria melhor tratar do bebé de forma mais “natural”, segundo a moda em vigor. Passando por cima do resignado aborrecimento que é ouvir conselhos quando não os pedimos, as opiniões neo-ambientalistas não raro levantam-me as sobrancelhas. Passo a expor algumas das que ouvi recentemente e a minha sobrancelhada reacção entre parêntesis: “não uses fralda descartável, que cada uma delas demora 600 anos para se decompor, é crime” (vou lavar à mão 7 fraldas de pano/dia após trabalhar 8 h/dia, foi para isso que se fez o progresso); “não vacines o bebé, isso é completamente anti-natura” (tal como cirurgias, transplantes, e dezenas de outros avanços da medicina que nos permitem viver melhor); “não lhe dês banho, excepto uma vez por semana, é preciso poupar na água” (boa ideia, sobretudo na época da crosta láctea ou quando eles estão na fase de comer terra e outras javardices próprias da idade); “não lhe dês remédio para a asma, isso cura-se tudo com óleos naturais” (um ataque de asma pode matar pelo que a irresponsabilidade deste conselho é tão preocupante que me abstenho de resposta).

Cada pessoa tem direito às suas convicções (desde que não magoe os outros). Mas torna-se bastante mais complexo querer impingir a alguém algo que, na realidade, nem sequer praticam. O chamado estilo de vida “natural” (por oposição a um artificial) implica coerência. O apregoado ambientalista ferrenho que, paradoxalmente, tem carro, viaja como se não houvesse amanhã, come produtos que sabe lá de onde vêm, tem máquina de lavar e de secar, compra roupa constantemente e ração para os animais e para o aquário, tem Bimby, iPhone e redes sociais, oh meus amigos, assim também eu. Nenhum destes “conselheiros” criou filhos do modo como me aconselharam a criar os meus.

Nota crucial. Quando o meu filho (o que hoje já é crescido, tem onze anos) tinha três anos, foi-me movido um processo de Tribunal nos Açores alegadamente porque a criança não ia ao infantário. Foi considerado inadequado e anti-social eu educar uma criança (de três anos!) em casa. As mesmas pessoas que na altura disseram tal são as que hoje acham muito bem que a Greta Thunberg não ande na escola (aos 16!) “porque o Ambiente merece.” Agora, já não é um problema, agora é bom. Sabem porquê? Tão só porque é politicamente correcto e tem-se provado que é mediaticamente ao gosto da elite – veja-se a TIME. Isto não é hipocrisia, é um nível acima: é mesmo mentira descarada.

No fundo, eu conheço muito poucos ambientalistas. O que eu conheço é gente que lucra à custa de uma falsa defesa do ambiente. São coisas completamente diversas.