Muitas pessoas aproveitam o novo ano
para fazerem projectos futuros. Eu aproveito os primeiros dias do ano para
arrumar (com) coisas que pertencem ao passado. Se “a vida é o dia de hoje […],
nuvem que foge, sombra que voa” então mais vale não carregar muita bagagem porque
não se voa alto carregando muito peso. Cada ano faço uma limpeza: coisas que
não usei, tralhas que acumulei sem préstimo, enfim, toda a materialidade que
para mim já se revela peso morto. Faço o mesmo com ideias e planos que já estão
fora de prazo, porque agarrar(-me) seria tempo perdido. Como tempo perdido é o
que nesta vida não se recupera, há que ser realista o bastante para perceber
quando algo “já foi”. Uma expressão do calão português actual formidável é o
“já foste!” que os jovens usam, aplicando a expressão a pessoas para quem “já é
tarde” ou “já não dá”. Mais vale termos a sapiência situacional e autognose
necessária para percebermos que “já fomos” do que ser outro a informar-nos. Uma
limpeza vem a calhar, até no/do nosso interior e relações com os demais. No filme
“Frozen” dizem isto melhor: “Let it go!”
A sociedade também faz estas limpezas, e
é assim que o mundo vai girando, queiram ou não os personagens envolvidos. O
processo é natural e necessário para o crescimento civilizacional, mas pode
parecer injusto a quem o vive. Explico: alguém que ainda ontem era famoso pode ou
não lidar de forma saudável com a sua perda de popularidade. O “já foste” é
mesmo irreversível, como tentar surfar uma onda que já se desfez.
Em pequena escala, todos nós conhecemos
este dinamismo. Por exemplo, aqueles que eram adolescentes nos anos 90 recordam
a onda grunge, mas têm de reconhecer que hoje em dia já ninguém a ouve, excepto
os ex-adolescentes dos anos 90, colecionadores e críticos de post-rock e alguns
traumatizados crónicos com pais dignos de fazer concorrência ao casal West. Só
passaram vinte anos. Dependendo da qualidade, o impacto na vida pode esvair-se
bem mais depressa, ou ser substituído por um similar - o que foi o “Despacito” senão uma espécie de
“Macarena” actualizada? Aliás, cada Verão há sempre uma melodia
latino-americana que convida a reboliço e no Inverno um êxito romântico
acompanhado de saxofone. Toda a gente esquece o “hit” anterior, já foi.
Nesta voragem temporal, nem me reporto
aos Governos. Só ficam para a história os primeiros-ministros. O restante staff
desaparece imediatamente no mesmo nevoeiro que em Portugal vem engolindo
governantes desde Álcacer Quibir mal os governos caem. Se guardamos na memória
algum elemento fazemo-lo pelas piores razões. Por exemplo, quantos se lembram
qual era o Ministério de Miguel Relvas? Mas toda a gente se lembra que o dito “era
licenciado por equivalências”!
A famosa denominação “Personalidade do
Ano” é mais do mesmo quanto a isto. A Revista TIME instituiu a categoria para
que o público pudesse votar na pessoa que (cito) “para o melhor ou para o pior
tenha sido a mais influente este ano”. Os leitores votam, saindo dessa escolha
um nome – o ano passado foi Donald Trump, este ano Greta Thunberg. Conclusão:
dá para tudo. A análise deste resultado não quer dizer (contrariamente a
iluminadas e profundas análises que tenho lido) que em 12 meses o mundo se
tornou mais inteligente e visionário quando o ano passado era obtuso. Isso é
que era doce. Apenas quer dizer que, o ano passado, um esmagador número de
gente votou no Trump e este ano na Greta. Talvez até os mesmos leitores. Para o
ano, votarão naquela figura que for mais falada nos media, tal e qual como têm
feito até aqui.
Gente que pensa pela sua cabeça é que
duvido que apareça com fartura. Isso não costuma ser muito bem visto… pelo
menos durante o seu tempo de vida. Anos depois de terem vivido, podem até ser
venerados. Afinal, nenhum génio foi muito popular na sua contemporaneidade.