Vivi vários anos em Lisboa e as Universidades onde dei aulas eram uma no
Centro e outra na periferia. Nos últimos anos, ouço que a qualidade de vida em Lisboa
piorou, incluindo a insegurança. Situações ou identidades actuais de risco: ser
negro, ser cigano, ser branco, ser imigrante (nomeadamente residente na
Mouraria, na Amadora ou noutro sítio de empacotamento), ser muçulmano elegendo
um líder religioso, ser motorista de autocarro, ser polícia, ser desempregado e
falar com turistas no Camões, ir a uma festa, ir a uma manifestação, enfim… A vida não está fácil. O trabalhador residente
comum tem dificuldades em estar tranquilo. Todas as situações acima mencionadas
podem acabar em pancadaria, esfaqueamento ou morte.
Não ignoro, por experiência, que a xenofobia e o racismo existem em todo o
lado. A fatia dominante de qualquer população exibe sempre, em maior ou menor
grau, comportamentos de intolerância para com as minorias. Daqui resulta que o
caucasiano dominante na Europa será considerado minoria no Oriente e na África
(excepto na do Sul) e, portanto, a história do racismo de quem está contra quem
sofre reviravolta dependendo de onde o indivíduo se encontra. Nem é preciso
mudar tanto de geografia. Um europeu do sul, moreninho e peludo, nunca é a
mesma coisa que um europeu do norte, clarinho e com aquela liquidez de aguarela
com demasiada água.
A questão portuguesa relativamente ao racismo é muito semelhante aos outros
países que já tiveram impérios. Portugal tem um sentimento histórico que é um misto
de culpa em relação ao que por lá fez (e que nunca assumiu completamente,
incluindo massacres dos quais ninguém fala mas que estão nos arquivos) e de benignidade
que pensa ter de assumir no presente, como que para resgatar um passado de
sangue (daí, os acordos especiais actuais com esses países que não sabemos bem
a quem aproveitam, porque o povo, em si, não beneficia disso). Esta espécie de
culpa e de resgate não se resolve porque Portugal nunca arrumou contas com o
seu passado nem tem personalidade para isso. Por sua vez, as chamadas
ex-colónias – termo horrível – também sofrem de sentimentos ambíguos. Se por um
lado, não perdoam a Portugal, por outro não se querem desligar dele – daí terem
assumido o português como sua língua oficial, por exemplo. É uma espécie de
filho que odeia o pai, mas que anda atrás dele.
A França sofre exactamente do mesmo em relação aos descendentes das suas
ex-colónias de Algéria e Marrocos que, desde que eu me conheço como ser pensante,
vêm dando brado em Paris, onde muito justamente se queixam de serem
considerados cidadãos de segunda. Porém, queimar carros na praça não resolve,
amigos. Já Lisboa, mais branda, vinha vivendo num barril de pólvora que demorou
para eclodir. A julgar pelas notícias, ele aí está.
Olhemos para a Alemanha. É um país que resolve o passado depressa, dá um
pontapé nas suas ruínas e ainda sai a cantar vitória. Há 75 anos, a Alemanha
ficou um caos destruído pelos Aliados. Depois, assumiu que se tinha portado para
lá de miseravelmente e hoje em dia governa a U.E. de forma imparável. Ser judeu
na Alemanha hoje é do bem, mas não há lugar a vitimizações eternas. Se levares
a conversa muito longe, um jovem alemão diz-te logo que não é responsável pela
guerra que já foi - ele é do hoje e não tem de ser admoestado pelo maluco nazi do
avô dele que matou 6 milhões de forma ignóbil, ok? Frios de gelo, mas sabem
resolver assuntos e viver no presente.
Já a Tugalândia não se recomenda. A etiqueta de país mais seguro da Europa
já anda coladinha com cuspo. Sem dúvida que o é para quem tem dinheiro e/ou um Visto
Gold, ficam mesmo protegidos. Aí, não há racismo e nem as forças da lei se
magoam até porque figura Gold não anda de transportes, não roça a fímbria de
nenhuma farda nem se aproxima de qualquer toga. Tanto se acolhe a loira Madonna
como a negra Isabel dos Santos, independentemente dos problemas com a Justiça desta
última (de difícil defesa… e cuja profundidade levanta dramas a Portugal). Não
é a cor da pele que dirá se és respeitado ou não, protegido ou enxovalhado. É
mesmo a tua conta bancária, avaliadora do teu status social.
Identidade racial é o real assunto em cima da mesa, pessoas? Se assim
fosse, os defensores da deputada Joacine Moreira estavam tão preocupados com o
racismo relativo à Doutora como com o racismo feito às comunidades do bairro da
Jamaica. Vejo muita areia atirada para turvar a visão social. Na realidade, haja
dinheiro e logo todo o racismo desaparece de imediato.