Quem já leu “Otelo”, uma peça de William Shakespeare cujo enredo gira à volta de ciúme, conhece a frase em que a personagem Iago descreve o ciúme como “um monstro de olhos verdes”. Indo um pouco mais atrás na literatura inglesa até Chaucer, verificamos que era a inveja (e não o ciúme) que era associada ao verde na expressão “verde de inveja”. De facto, o ciúme e a inveja (em inglês “jealousy” e “envy”) são emoções que para os anglo-saxónicos têm muitas equivalências, a ponto de as confundirem nalgumas frases que, para nós, causam problemas de tradução. Porém, as diferenças linguístico-culturais não são o tema desta crónica. Vamos espicaçar a ideia da inveja.
Os Antigos Gregos acreditavam que este sentimento tinha a ver com uma
produção excessiva de suco biliar que, como se sabe, é produzido no fígado. Este
excesso de bílis daria aos invejosos uma coloração de pele amarelo-esverdeada –
e daí as referências literárias associando o verde à inveja que, aliás, já remontam
ao romano Ovídio.
No Cristianismo, a inveja é de tal forma mal vista que é um dos sete
pecados capitais. Dante via na inveja uma perversão amorosa, pois que se desejava
o mal do outro, visando (ob)ter o que o outro tinha. Já aqui se verifica como a
inveja é diversa do ciúme. O Judaísmo explica isto melhor conceptualmente, até
porque admite que Deus é ciumento mas não é invejoso, isto é não admite outro
algo que não seja a exclusividade da adoração (conotada com o ciúme) mas
condena a cobiça das possessões de outrem (conotada com a inveja).
A maior parte das crenças, mesmo as mais tribais, têm tradições e até
amuletos para afastar a inveja – “o olho grande” que alguém deita sobre nós ou
o que nos pertence, seja isso que nos pertence algo material ou as nossas
qualidades intrínsecas ou mesmo a nossa situação vivencial. O tal “olho grande”
transforma-se em “mau olhado” e acaba por causar-nos má sorte.
Certos indivíduos encolhem os ombros e pensam “Mas eu nada tenho que possa
ser invejado!” Nada de mais errado. Para um invejoso, qualquer algo que outro
tenha e ele não, é legítimo de ser invejado – pode ser riqueza, juventude,
maturidade, beleza, filhos, liberdade, amor, trabalho, personalidade, amigos,
inteligência, o que seja. Para um invejoso, a simples existência do invejado
incomoda.
A inveja corrói, como ratos continuamente roendo o interior de uma
habitação. Não é um sentimento que tenha tendência a desaparecer com o tempo;
antes se intensifica neste modo de erosão contínua e desgastante. A inveja nasce
de um sentimento de inferioridade em relação ao outro, crescendo essa
inferioridade de forma hostil e ressentida. Pode tornar-se patológica, com
desejos obsessivos de obter o que o outro possui, mimetização da outra pessoa
de tal forma que se tenta anulá-la e perseguição do invejado tentando possuir o
que ele tem.
Clinicamente, a inveja não é algo diagnosticável como perturbação da
personalidade. Porém, quem sofre de personalidade narcisista maligna sofre de
inveja exacerbada. Os narcisistas necessitam constantemente de admiração, pelo
que qualquer recordação das suas imperfeições ou limitações lhes causa
impotência e raiva (mais ou menos contida – ou até muitíssimo bem disfarçada
- é uma questão individual). O que é
certo é que apenas a destruição de quem é, aos seus olhos, “melhor do que eles”
lhes trará sossego. Faz lembrar a Madrasta da Branca de Neve que perguntava ao
espelho “Quem é mais bela do que eu?” e, não suportando a resposta, teve de
mandar matar aquela que possuía a qualidade que ela – Madrasta – entendia ser a
qualidade suprema que devia pertencer-lhe acima de todas as outras pessoas.
A inveja não é apenas material para contos de fadas nem muito menos para
receituários de bruxas. É um sentimento real e corrosivo, escondido por quem o
sente – pois quem o experimenta tem também muita vergonha de o sentir, jamais
admitindo que gostaria de ser como essa outra pessoa que tanto olha e persegue.
A inveja é, como disse Schopenhauer, “um deleite na má fortuna alheia e
constitui a pior característica da espécie humana. O grau de inveja de um ser
humano demonstra o quão infeliz ele é; a sua constante obsessão pelo outro
mostra o quão entediante é a sua própria vida.”