No fim do século XIX, um senhor chamado Émile Durkheim começou a coçar a cabeça com a questão do suicídio – não porque estivesse a pensar nisso para si mesmo mas sim porque o preocupava o facto das pessoas se matarem bem como a ideia então em voga (e ainda hoje popular) de que o suicídio se dava em pessoas que eram psicologicamente doentes, coisa na qual ele não estava inteiramente disposto a acreditar.
A lógica de Durkheim era simples e matematicamente incontestável: se fosse
verdade que eram as pessoas “loucas” quem se suicidava, então a estatística de
suicídios seria maior onde a estatística de doença mental fosse maior e
inversamente seria menor onde a segunda também fosse menor. Como tal, decidiu
analisar as taxas governamentais europeias de suicídio e de doença mental da
época. A primeira coisa que lhe saltou à vista foi que os hospitais
psiquiátricos tinham consideravelmente mais mulheres do que homens lá internados.
Porém, contrariamente a esta estatística, para cada mulher suicida havia quatro
homens que cometiam suicídio. Também verificou que a doença mental ocorria mais
frequentemente na maturidade dos indivíduos, ao passo que o suicídio tinha
maior taxa de incidência na terceira idade. Durkheim vivia na França, pelo que
as suas conclusões incidiram mais particularmente sobre este país, e algumas
curiosidades foram mesmo muito específicas, por exemplo, os judeus eram o grupo
étnico com maior taxa de doença mental; porém, eram o grupo com menor taxa de
suicidas. Em conclusão: claramente, a doença mental e o suicídio eram questões
absolutamente independentes.
Durkheim promoveu, então, a ideia de que o suicídio tinha a ver com a
solidariedade social. Quanto mais um grupo partilhasse valores e crenças,
quanto mais interagisse intensamente, e quanto mais solidariedade existisse
entre os seus membros, menos hipóteses haveria de ocorrer suicídios no seu
núcleo. Isto porque quando os indivíduos fossem atingidos por grande
adversidade, seriam socorridos por aquela âncora de contexto social estável.
Assim, e de forma muito sumária: as pessoas casadas (obviamente em relações
de companheirismo e não de fachada!) tinham uma taxa menor de suicídio do que
as solitárias porque o cimento da amizade ao longo dos anos lhes permitia um
enquadramento de estabilidade e de poder contar com outro alguém; as mulheres
suicidavam-se menos porque a sua vida social era, quase sempre, mais preenchida
e naturalmente mais intimista do que a dos homens, tradicionalmente seres mais
fechados e distantes e com maior dificuldade na expressão de sentimentos; os
judeus suicidavam-se menos porque séculos de perseguição os tornaram um grupo
muito coeso socialmente; os idosos suicidavam-se mais frequentemente porque
eram o grupo mais solitário, sem emprego, muitas vezes já sem família e sem amigos,
vivendo sós, e tendo perdido o contacto com a tal âncora a que Durkheim chamou
solidariedade social.
Assim, o suicídio variava de acordo com a (des)integração do individuo na
sociedade. É importante notar que isto não nos explica as razões particulares
de cada suicídio individual, onde cada um terá as suas questões diferentes.
Porém, esta teoria ressalva e valida que a segregação versus a inclusão social
é um factor determinante para determinar do apoio de alguém, influindo
fortemente na sua decisão de continuar a viver.
Entretanto, havia outras questões mais complexas, até porque Durkheim
também considerava haver vários tipos de suicídio, incluindo o suicídio
altruísta (a pessoa que deixa de viver por devoção ao interesse de outro
alguém, por exemplo em cenários de guerra) e o suicídio anómico (quando a
pessoa vive num ambiente onde os códigos de comportamento estão tão mal
definidos que tudo é desordem, pelo que se torna complicado até perceber as
implicações da sua tomada de decisão). Estes são diferentes do suicídio
egoístico.
Mas o importante a reter é o que Margaret Mead, antrópologa americana,
também disse, anos mais tarde, quando lhe perguntaram qual era o primeiro sinal
de uma civilização que ela tinha encontrado nas suas pesquisas. Mead não falou
de cerâmicas antigas, mas sim de um fémur partido e sarado. “Porque”, disse
ela, “antigamente, quando alguém partia o fémur, era deixado para trás como um
animal inútil. Mas o facto de que um ser humano perdeu tempo a cuidar de outro
até ele ficar com o fémur em bom estado – e isso leva tempo! – é sinal de que a
civilização chegou à Humanidade.”